Crise fez surgir o pior dos estereótipos na Grécia e Alemanha

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Um casal de gregos em Munique, cidade onde vive agora com a filha Foto: Michaela Rehle/ Reuters (arquivo)

Uma alemã senta-se num autocarro grego. Tira um livro da mala, abre-o para começar a ler. A pessoa sentada ao seu lado olha para o livro alemão, levanta-se, e vai sentar-se noutro lugar. Uma grega está num jantar em Berlim. A anfitriã apresenta-a: “Esta é a Barbara, que é grega.” Uma das convidadas diz: “Desculpa, deixei a minha carteira noutro sítio.” Toda a gente se ri.

São duas histórias ouvidas no Goethe Institut (Instituto Alemão) em Atenas que exemplificam um mal-estar entre a Alemanha e a Grécia. Poderia dizer-se que quem começou tudo foram os alemães: o jornal Bild enviou repórteres com dracmas para a Grécia para perguntar se os gregos gostariam de ter a velha moeda de volta; a revista Focus fez uma capa com uma estátua de Afrodite a mostrar o dedo médio dizendo: “Impostores na família europeia.”

A troika, que impôs medidas dolorosas e cortes dramáticos nos ordenados e pensões para garantir o empréstimo à Grécia, não tem cara. A UE tem: é a chanceler alemã, Angela Merkel. Numa sondagem recente na revista grega Epikaira, 77% dos inquiridos concordavam que a política alemã pretende estabelecer um “IV Reich”. A animosidade não se mostra apenas nos jornais gregos, que apresentam a chanceler alemã com chicotes ou com a cruz suástica, ou nas manifestações, onde o conceito alemães=nazis é repetido. A antipatia está, também, nas ruas. Um exemplo: um ateniense que tem como língua comum com uma estrangeira o alemão fala baixo - e nota a ironia: “Um grego e uma portuguesa a entenderem-se em alemão, hein?” Mesmo assim alguém ouve e vai acusá-lo de falar a língua dos “terroristas”.

Outro exemplo: no metro, um grego tem uma T-shirt do St Pauli, o clube de futebol de Hamburgo conhecido pelo activismo contra a extrema-direita. Uma turista acha piada e pede-lhe para tirar uma foto à T-shirt, “para um amigo alemão”. “Para um amigo alemão? Isso não é bom”, responde ele. Ela nota que ele é que tem a T-shirt do clube da Alemanha, e que o amigo é do mesmo clube; algo os une. Mas ele mantém: “Alemão - isso não é bom.”

O tema “54 mil milhões de euros que a Alemanha deve à Grécia pela II Guerra Mundial” tornou-se comum. A história das indemnizações tem voltas e reviravoltas: logo após a II Guerra os EUA opuseram-se a grandes compensações da Alemanha aos países prejudicados. A Alemanha pagou parte em bens materiais e em 1990 a Grécia aceitou (sem grande hipótese de se opor, é certo) um tratado, desistindo de pedir mais indemnizações. Mas os “54 mil milhões de euros” são agora uma arma no debate público: se a Grécia deve, a Alemanha também.

Goethe em alta

Enquanto isso, cada vez mais gregos passam ao lado de tudo isto enquanto estudam alemão: pode ser uma porta para um emprego na Grécia ou, mais provavelmente, na Alemanha. Apesar de no Instituto Alemão um semestre de aulas custar entre 660 e 690 euros (em Lisboa, paga-se entre 330 e 370 euros), as inscrições estão a aumentar (no último ano subiram 20% e há agora 350 alunos a ter aulas no instituto que faz, entretanto, desconto para desempregados).

Quando um em cada dois jovens gregos não consegue encontrar emprego, e com postos de trabalho a desaparecerem todos os dias, esta é uma estratégia de fuga. Antonis Blios, 42 anos, parte da vida vivida na Alemanha (os seus avós foram e vieram, os seus pais foram e vieram, e ele nasceu lá), debate-se com a parte da gramática alemã que não domina, porque estudou sempre em grego. Formado em economia, é mediador de seguros. “Não sei o que vai acontecer, portanto vou procurando trabalhos na Alemanha. Mas na minha área tenho de dominar melhor o alemão, por isso estou a estudar”, conta.

"A maioria dos meus alunos são jovens que não querem sair da Grécia”, sublinha Gabi, de cabelo vermelho curto e corte assimétrico. Gabi, que só diz o primeiro nome, foi muitos anos professora do Instituto em Petra, mas este fechou em 2000, quando a crise económica na Alemanha ditou o encerramento de várias dependências do Goethe; desde então vive em Atenas. “Ainda outro dia um aluno me pediu para ter o telefone ligado, porque esperava uma chamada urgente”, conta. O telefone vibrou e ele saiu para atender; quando voltou vinha lívido. “Tinha acabado de perder o emprego.”



Conversa de cafetaria

As eleições de domingo são um tema inevitável. Barbara Papadopoulou, artista grega a viver em Berlim que está agora em Atenas, matando saudades na cafetaria do Goethe, é a mais política de todos. Vai votar na Esquerda Democrática, o mais pró-europeu dos partidos da esquerda, que defende uma renegociação do memorando e tem 5,4% nas sondagens. “A culpa das medidas da austeridade não é da troika: é do Governo que se decidiu pelos cortes horizontais”, defende. “A Grécia continua a ser um país minado pela corrupção. E infelizmente esta situação não trouxe um mínimo de autocrítica, não parece ter trazido grandes mudanças”, queixa-se.

A campanha está dominada pela polaridade entre os dois grandes partidos do centro, o PASOK e o Nova Democracia, que aprovaram o memorando com a troika, e a oposição, que na maioria defende desde a renegociação do acordo até mesmo uma saída do Euro.

Christa Tsobani, uma professora do Instituto que nasceu na Alemanha e viveu lá até 2005, diz que não costuma votar. Nunca o fez quando vivia fora, e agora está ainda a ponderar. “Ninguém me convenceu”, diz. “Estou farta de ouvir que tenho de ir votar para não dar poder aos grandes. Mas então voto em quem? Todo o sistema não é muito democrático”, sentencia.

Antonis não decidiu o que vai fazer. “As coisas são um pouco complicadas”, desculpa-se, num jeito suave, que contrasta com o amarelo-vivo da sua T-shirt de desporto. “Tenho votado no PASOK porque sou de esquerda. Desta vez não sei. Não sou realmente contra o memorando. Quer dizer, acho que não é bom, mas haverá algo melhor?”

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Uma alemã senta-se num autocarro grego. Tira um livro da mala, abre-o para começar a ler. A pessoa sentada ao seu lado olha para o livro alemão, levanta-se, e vai sentar-se noutro lugar. Uma grega está num jantar em Berlim. A anfitriã apresenta-a: “Esta é a Barbara, que é grega.” Uma das convidadas diz: “Desculpa, deixei a minha carteira noutro sítio.” Toda a gente se ri.

São duas histórias ouvidas no Goethe Institut (Instituto Alemão) em Atenas que exemplificam um mal-estar entre a Alemanha e a Grécia. Poderia dizer-se que quem começou tudo foram os alemães: o jornal Bild enviou repórteres com dracmas para a Grécia para perguntar se os gregos gostariam de ter a velha moeda de volta; a revista Focus fez uma capa com uma estátua de Afrodite a mostrar o dedo médio dizendo: “Impostores na família europeia.”

A troika, que impôs medidas dolorosas e cortes dramáticos nos ordenados e pensões para garantir o empréstimo à Grécia, não tem cara. A UE tem: é a chanceler alemã, Angela Merkel. Numa sondagem recente na revista grega Epikaira, 77% dos inquiridos concordavam que a política alemã pretende estabelecer um “IV Reich”. A animosidade não se mostra apenas nos jornais gregos, que apresentam a chanceler alemã com chicotes ou com a cruz suástica, ou nas manifestações, onde o conceito alemães=nazis é repetido. A antipatia está, também, nas ruas. Um exemplo: um ateniense que tem como língua comum com uma estrangeira o alemão fala baixo - e nota a ironia: “Um grego e uma portuguesa a entenderem-se em alemão, hein?” Mesmo assim alguém ouve e vai acusá-lo de falar a língua dos “terroristas”.

Outro exemplo: no metro, um grego tem uma T-shirt do St Pauli, o clube de futebol de Hamburgo conhecido pelo activismo contra a extrema-direita. Uma turista acha piada e pede-lhe para tirar uma foto à T-shirt, “para um amigo alemão”. “Para um amigo alemão? Isso não é bom”, responde ele. Ela nota que ele é que tem a T-shirt do clube da Alemanha, e que o amigo é do mesmo clube; algo os une. Mas ele mantém: “Alemão - isso não é bom.”

O tema “54 mil milhões de euros que a Alemanha deve à Grécia pela II Guerra Mundial” tornou-se comum. A história das indemnizações tem voltas e reviravoltas: logo após a II Guerra os EUA opuseram-se a grandes compensações da Alemanha aos países prejudicados. A Alemanha pagou parte em bens materiais e em 1990 a Grécia aceitou (sem grande hipótese de se opor, é certo) um tratado, desistindo de pedir mais indemnizações. Mas os “54 mil milhões de euros” são agora uma arma no debate público: se a Grécia deve, a Alemanha também.

Goethe em alta

Enquanto isso, cada vez mais gregos passam ao lado de tudo isto enquanto estudam alemão: pode ser uma porta para um emprego na Grécia ou, mais provavelmente, na Alemanha. Apesar de no Instituto Alemão um semestre de aulas custar entre 660 e 690 euros (em Lisboa, paga-se entre 330 e 370 euros), as inscrições estão a aumentar (no último ano subiram 20% e há agora 350 alunos a ter aulas no instituto que faz, entretanto, desconto para desempregados).

Quando um em cada dois jovens gregos não consegue encontrar emprego, e com postos de trabalho a desaparecerem todos os dias, esta é uma estratégia de fuga. Antonis Blios, 42 anos, parte da vida vivida na Alemanha (os seus avós foram e vieram, os seus pais foram e vieram, e ele nasceu lá), debate-se com a parte da gramática alemã que não domina, porque estudou sempre em grego. Formado em economia, é mediador de seguros. “Não sei o que vai acontecer, portanto vou procurando trabalhos na Alemanha. Mas na minha área tenho de dominar melhor o alemão, por isso estou a estudar”, conta.

"A maioria dos meus alunos são jovens que não querem sair da Grécia”, sublinha Gabi, de cabelo vermelho curto e corte assimétrico. Gabi, que só diz o primeiro nome, foi muitos anos professora do Instituto em Petra, mas este fechou em 2000, quando a crise económica na Alemanha ditou o encerramento de várias dependências do Goethe; desde então vive em Atenas. “Ainda outro dia um aluno me pediu para ter o telefone ligado, porque esperava uma chamada urgente”, conta. O telefone vibrou e ele saiu para atender; quando voltou vinha lívido. “Tinha acabado de perder o emprego.”



Conversa de cafetaria

As eleições de domingo são um tema inevitável. Barbara Papadopoulou, artista grega a viver em Berlim que está agora em Atenas, matando saudades na cafetaria do Goethe, é a mais política de todos. Vai votar na Esquerda Democrática, o mais pró-europeu dos partidos da esquerda, que defende uma renegociação do memorando e tem 5,4% nas sondagens. “A culpa das medidas da austeridade não é da troika: é do Governo que se decidiu pelos cortes horizontais”, defende. “A Grécia continua a ser um país minado pela corrupção. E infelizmente esta situação não trouxe um mínimo de autocrítica, não parece ter trazido grandes mudanças”, queixa-se.

A campanha está dominada pela polaridade entre os dois grandes partidos do centro, o PASOK e o Nova Democracia, que aprovaram o memorando com a troika, e a oposição, que na maioria defende desde a renegociação do acordo até mesmo uma saída do Euro.

Christa Tsobani, uma professora do Instituto que nasceu na Alemanha e viveu lá até 2005, diz que não costuma votar. Nunca o fez quando vivia fora, e agora está ainda a ponderar. “Ninguém me convenceu”, diz. “Estou farta de ouvir que tenho de ir votar para não dar poder aos grandes. Mas então voto em quem? Todo o sistema não é muito democrático”, sentencia.

Antonis não decidiu o que vai fazer. “As coisas são um pouco complicadas”, desculpa-se, num jeito suave, que contrasta com o amarelo-vivo da sua T-shirt de desporto. “Tenho votado no PASOK porque sou de esquerda. Desta vez não sei. Não sou realmente contra o memorando. Quer dizer, acho que não é bom, mas haverá algo melhor?”