Ainda há jovens a protestar em frente ao Parlamento
Dizem-se explorados pelas elites e não admitem baixar os braços. Há jovens a dormir em frente à AR há mais de três semanas
Três semanas após a primeira noite de acampamento em frente à Assembleia da República restam apenas os “resistentes”, que lutam por uma sociedade mais justa, esquecendo o frio, a chuva e o barulho constante de quem passa. Quem dorme no acampamento em frente ao Parlamento são jovens que chegaram a fazer parte do mercado de trabalho e se sentiram explorados. Alguns estão desempregados, outros continuam a trabalhar.
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Três semanas após a primeira noite de acampamento em frente à Assembleia da República restam apenas os “resistentes”, que lutam por uma sociedade mais justa, esquecendo o frio, a chuva e o barulho constante de quem passa. Quem dorme no acampamento em frente ao Parlamento são jovens que chegaram a fazer parte do mercado de trabalho e se sentiram explorados. Alguns estão desempregados, outros continuam a trabalhar.
“Eu tenho uma casa, um quarto e lençóis lavados, mas estou aqui porque faço questão de pertencer à resistência contra a situação actual. Este é um movimento global por um mundo em que as pessoas não são tratadas como meros números”, resume Matilde, 24 anos.
André Costa, João Carril ou iGO também trocaram o conforto das camas pela calçada portuguesa em frente à Assembleia da República. “Faz hoje três semanas que acordámos aqui pela primeira vez”, recorda, orgulhoso, André Costa, admitindo que a mãe ficou bastante preocupada quando soube que o filho ia dormir para a rua em protesto. “Agora já me apoia”, conta. “O meu pai, que é músico, disse-me que as coisas não se fazem assim. Mas também já está a pensar vir cá dar música”, diz iGO.
Chuva afastou muita gente
“Nós somos filhos da classe média que está em vias de extinção. Depois há aqui pessoas da classe baixa e até da alta que se revoltaram. Não estamos aqui apenas para ocupar Lisboa, mas para ocupar o espírito”, conta Matilde, que traz na lapela um pin que diz apenas “Liberdade”.
O grupo que se concentrou ali a 15 de Outubro está bem mais pequeno. “Não somos os indignados, esses foram os primeiros a abandonar o barco. Nós somos o povo português”, diz André Costa. O mau tempo fez com que entretanto muitos outros tivessem abandonado o protesto. “A chuva afastou muita gente. Agora são só os resistentes”, acrescenta iGO.
É que as noites são muito duras. “O frio faz contrair os músculos e de manhã acordamos com a luz e o calor. Além disso nunca há silêncio, estão sempre a passar carros, motas e autocarros”, diz, garantindo que a experiência está a ser “uma lição de vida de mil anos”. Os jovens salientam as boas relações com a polícia que, desde que começou a chover, “fecham os olhos e deixam montar as tendas entre a meia-noite e as seis da manhã”.
Os solidários
A solidariedade surgiu também de desconhecidos como “a Dona Florinda ou o Senhor Mário”. Todas as manhãs, Florinda Paixão, 63 anos, vai ao acampamento deixar um saco de pão fresco. “Eles são muito educados e simpáticos, mas a minha idade não me permite estar ali com eles por isso trago-lhes pãozinho. É a forma de participar no protesto”, explica.
Além do “pãozinho da Dona Florinda”, ao final da tarde nunca falha a “sopa quente do senhor Mário e da mulher”. Há ainda quem “empreste electricidade” ou “sinal de Internet” para estarem a par das notícias. Os únicos vizinhos com quem mantêm relações mais tensas são os da Assembleia da República. Entre os manifestantes e os funcionários do parlamento “existe uma barreira ideológica e física”.
A escadaria está totalmente gradeada desde o dia da manifestação. “Aquilo cria uma barreira psicológica entre eles e nós. Não tiram aquilo dali porque se sentem ameaçados com as nossas ideias”, critica Matilde, garantindo que no acampamento “a política foi substituída pelo bom senso”.
O grupo de resistentes prepara-se agora para a manifestação mundial de sexta-feira. “Queremos criar as bases para uma sociedade do futuro baseada num sistema de confiança em que as pessoas partilham recursos. Temos que deixar de ver as pessoas como números e passar a conhecê-las uma a uma. Tem de haver confiança, empatia e ligação humana”, resume João Carril. Mas afinal, quem são estes jovens? São a resistência? “Não, nós somos os 99 por cento do povo que está a ser explorado pelas elites”.