Cenários são devastadores para região de Lisboa

Nem tudo acontece sempre aos outros. Os lisboetas podem não ter plena consciência disso mas, metaforicamente falando, vivemos todos em São Francisco, Kobe, Sumatra... ou L'Aquila. Não por sermos particularmente exóticos ou por falarmos fluentemente italiano ou inglês, mas porque podemos vir um dia destes a ser vítimas de um terramoto devastador.

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Ilustração sobre o teramoto de 1755, em Lisboa Reuters

Em poucas palavras: num futuro mais ou menos próximo, um grande terramoto na região de Lisboa e Vale do Tejo é inevitável. E, se nada for feito, as consequências serão gravíssimas.

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Em poucas palavras: num futuro mais ou menos próximo, um grande terramoto na região de Lisboa e Vale do Tejo é inevitável. E, se nada for feito, as consequências serão gravíssimas.

De cada vez que um sismo acontece, fala-se em magnitude segundo a escala de Richter e em intensidade segundo a escala de Mercalli. A primeira é uma medição da quantidade de energia libertada pelas ondas sísmicas; a segunda contempla os efeitos de forma qualitativa. A de Richter é "aberta", na medida em que não se conhece o nível máximo possível; contudo, os maiores terramotos jamais registados, entre os quais o de Lisboa em 1755, rondam o grau 9 nesta escala. A partir da magnitude 6, o sismo é considerado forte. Já a escala de Mercalli vai de I (quase imperceptível) a XII (catastrófico) passando por IX (devastador) e mede os estragos provocados pelo sismo em termos de destruição material e humana.

As duas escalas não dizem o mesmo, apesar do que poderia parecer à primeira vista. Um sismo pode não ser muito forte em termos de energia libertada (6 na escala de Richter, por exemplo), mas ter efeitos devastadores sobre as construções e as pessoas merecendo um IX na escala de Mercalli.

No outro extremo, um sismo de grau 9 ou mais na escala de Richter, se ocorrer no meio do deserto, longe das habitações e das povoações, pode não ser sentido por ninguém e corresponder a I na escala de Mercalli.

Maria Ana Baptista, professora do Centro de Geofísica da Universidade de Lisboa, contactada por e-mail, exemplifica essa influência da distância ao epicentro com dois sismos portugueses: "Na próxima semana, faz cem anos que ocorreu o sismo com epicentro em Benavente, a norte de Lisboa, e cujos estragos foram imensos [apesar de a magnitude ser próxima de 6 na escala de Richter]. Mas no último grande sismo em Lisboa, a 28 Fevereiro de 1969, apesar de a magnitude ter sido 8 [Richter], como o epicentro estava a cerca de 250 km, se bem que tenha havido estragos, eles teriam sido muito piores se o epicentro estivesse mais próximo." Mas então, por que é que o terramoto de 1755 foi tão devastador, visto que o seu epicentro foi ao largo da costa alentejana? "Quanto mais afastado o sismo, menores os danos", diz-nos José Fernando Borges, membro do Centro de Geofísica de Évora e docente do Departamento de Física da Universidade de Évora. "Mas existe também um efeito de amplifi cação [das ondas sísmicas] e, em Lisboa e Vale do Tejo, o tipo de solo, com zonas de aluviões, é propício a esse fenómeno de amplifi -cação." Foi o que aconteceu no século XVIII. E vai tornar a acontecer. Só não se sabe é quando.

Inevitável

Mais precisamente, frisa o investigador, "se o epicentro for a sudoeste do cabo de São Vicente, tal como em 1755 [e com magnitude de quase 9 na escala de Richter], em Lisboa, devido à densidade populacional, a destruição será igualmente grave. A intensidade poderá atingir IX na escala de Mercalli, com queda de edifícios, destruição das vias de comunicação, incêndios.

Isso será devastador não só para Lisboa, mas também para toda a costa alentejana e o Algarve." Acrescenta Maria Ana Baptista: "se um sismo de 8,75 [na escala de Richter] como o de 1755 fosse gerado no mar, tal como em 1755, a probabilidade de haver um tsunami seria muito grande. E também podemos imaginar o que aconteceria com um sismo de grau 9 com epicentro próximo de Lisboa: o mesmo que aconteceu às populações de Sumatra que, não o esqueçamos, antes de serem atingidas pelo tsunami foram atingidas por um sismo de magnitude 9".

Porém, se o epicentro estiver situado mais perto de Lisboa, o mais provável, faz notar José Fernando Borges, é que não seja tão forte como o de 1755. Mas isso não é necessariamente uma boa notícia. "Se o epicentro for em Lisboa ou numa zona próxima, a magnitude não deverá ser muito superior a 6,3 na escala de Richter", explica. "É pouco provável [mas não impossível] que seja superior a isso.

Foi o caso do sismo de 1909, que destruiu Benavente. Mas nas zonas muito próximas do epicentro, a intensidade poderá ir até VIII ou mesmo IX na escala de Mercalli. O que significa que poderá verificar-se um grande nível de destruição nas zonas densamente povoadas." Seja como for, Lisboa e arredores são dados à partida como perdedores nesta lotaria sísmica.

Mas será que nos devemos mesmo preocupar agora? Não estaremos a ser alarmistas antes do tempo? Quando é que terramotos devastadores poderão tornar a acontecer? Dentro de séculos, de milénios? Infelizmente, pode ser já amanhã. "Um sismo [com epicentro em Lisboa ou perto, magnitude à volta de 6 na escala de Richter] vai acontecer, isso é inevitável", responde José Fernando Borges.

"Aconteceu em 1531 e em 1909." Quanto a um sismo do tipo de 1755, com epicentro no mar e magnitude 9, explica ainda, "os cálculos feitos para este tipo de sismo apontam para uma nova ocorrência entre 500 e dois mil anos mais tarde. Há uma grande imprecisão mas pode perfeitamente ocorrer nos próximos 50 anos." Como se irão comportar as construções? Em 2005, uma simulação do LNEC deu os seguintes resultados para um sismo do tipo de 1755: 53.387 prédios danifi cados só em Lisboa e quase meio milhão (477.170) na Grande Lisboa, com danos que iriam de ligeiros (26,3 por cento) ao colapso total (1,8 por cento). Balanço humano: cerca de 10 mil mortos, dependendo, contudo, da hora em que acontecesse o abalo. E uma catástrofe económica também.

"Se as normas anti-sísmicas foram cumpridas, é de esperar que os edifícios modernos resistam seja qual for a magnitude do sismo", diz José Borges.

"Mas não sabemos se foram cumpridas." Quanto aos edifícios antigos e aos monumentos, toda a estrutura da Baixa pombalina foi alterada, diz o sismólogo, com acrescentos de águasfurtadas e aberturas de montras que não existiam inicialmente. E tudo isto pode pôr em causa a resistência dos prédios. "Basta ver o que aconteceu em Itália. Não digo mais nada."

Previsões precisam-se

Há a questão de saber que um terramoto vai ou não acontecer, a prazo, numa dada região. E há a questão de saber que vai acontecer aqui e agora ou seja, dentro de uns dias num local preciso. Este segundo tipo de previsões, que permitiria evacuar atempadamente as populações e salvar vidas e que continua por resolver, voltou a estar debaixo dos holofotes quando, após o sismo que abalou há dias a região de Abruzzo, no Centro de Itália, um cientista italiano alegou ter previsto o sismo e não ter sido ouvido pelas autoridades. Giampaolo Giuliani, do Laboratório Nacional de Gran Sasso, baseou a sua previsão na medição dos altos níveis de um gás, o rádon, que terão sido libertados pelas rochas antes do sismo. Segundo relata o New York Times¸ é possível que o rádon seja um sinal precursor de alguns terramotos, mas talvez não de todos (de facto, a previsão de Giuliani revelou-se a posteriori errada tanto em termos do local a evacuar como da data). Os especialistas também suspeitam que algumas actividades humanas possam desencadear terramotos o peso da água nas albufeiras, a extracção de petróleo do solo, etc. mas não têm certezas. Numa recente reunião da Sociedade de Sismologia norte-americana, referida pelo mesmo diário, houve um grande debate em torno da questão dos pequenos e grandes sismos: será que eles são fundamentalmente diferentes ou será que os grandes sismos são apenas pequenos sismos que não conseguiram parar a tempo? Se forem radicalmente diferentes, talvez seja possível determinar um dia os seus sintomas precursores, segundos antes de acontecerem, para dar tempo às pessoas de se porem relativamente a salvo.

Texto publicado na edição de 19 de Abril de 2009