Amigos inimigos

Os "dois da (nova) vaga" são Jean-Luc Godard e François Truffaut. O filme de Emmanuel Laurent conta a história deles, no período em que ela foi comum: da amizade e da cumplicidade seladas, muito cedo, pela cinefilia, à ruptura (pessoal) definitiva no princípio dos anos 70, já a cumplicidade se perdera há muito, queimada pelo acentuar das diferenças idiossincráticas, e a amizade seguiu o mesmo destino, na sequência de uma violentíssima troca de correspondência depois de Godard ter saido (muito) irritado de uma projecção de "A Noite Americana" (de Truffaut).

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Os "dois da (nova) vaga" são Jean-Luc Godard e François Truffaut. O filme de Emmanuel Laurent conta a história deles, no período em que ela foi comum: da amizade e da cumplicidade seladas, muito cedo, pela cinefilia, à ruptura (pessoal) definitiva no princípio dos anos 70, já a cumplicidade se perdera há muito, queimada pelo acentuar das diferenças idiossincráticas, e a amizade seguiu o mesmo destino, na sequência de uma violentíssima troca de correspondência depois de Godard ter saido (muito) irritado de uma projecção de "A Noite Americana" (de Truffaut).


Os amigos tornaram-se inimigos, não voltaram a ver-se (cara a cara, pelo menos), nem a trocar, publicamente ou em privado, qualquer manifestação de estima. Para o filme (que foi escrito por Antoine de Baecque, crítico e historiador que tem estudado a geração da "nouvelle vague" e assinou uma recente biografia de Godard), essa ruptura assinala um momento simbólico: o momento em que o cinema francês (o novo cinema francês, saído da "nouvelle vague") se cindiu, e os seus principais pontos de referência seguiram rumos inconciliáveis.

A orfandade resultante é simbolizada por Jean-Pierre Léaud, actor de Truffaut e actor de Godard, e o primeiro filho legítimo da "nouvelle vague" (houve outros). É com ele que o filme acaba, muito miúdo, a ser entrevistado no "casting" para os "400 Golpes" de Truffaut.Podemos dizer, como Jacques Rivette disse uma vez, que o que espanta não é que Godard e Truffaut se tenham zangado, antes que tenham demorado tanto tempo a fazê-lo.

As diferenças - profundas, ideologica e esteticamente - estavam lá desde o princípio, e não fizeram senão vincar-se, sobretudo a partir do final dos anos 60, quando a geração da "nouvelle vague" chocou de frente com um tema que, em boa verdade, só Godard não fizera por explicitamente evitar: a política. Sem insistir muito - alguns apontamentos alternando declarações de um e de outro - o filme sinaliza essas diferenças, mas o seu investimento é sobretudo na amizade entre os dois, contada como se fosse o cimento que, justamente, permitia agregar duas personalidades tão distintas.

O que faz sentido: em 1973 os filmes de Godard e Truffaut já não tinham quase nada em comum, mas foi a explosão da relação pessoal que tornou isso evidente.Centrada nestes dois rostos, é portanto a história da "nouvelle vague" e do período que se lhe seguiu que "Os Dois da (Nova) Vaga" conta. Forçosamente resumida, às vezes até com simplicidade excessiva e algum pendor pró-Truffaut na explicação da ruptura, ou no mínimo uma maior disponibilidade para compreender a posição dele. Em todo o caso, com a sua excelente recolha de material de arquivo e o seu texto claro e argumentado, "Os Dois da (Nova) Vaga" é um óptimo documentário sobre uma época crucial na história do cinema europeu, e o seu capital pedagógico não é, consequentemente, nada negligenciável.