A Nouvelle Vague como nunca a tínhamos visto

Foto
DR

Há fotografias que valem muito mais do que aquilo que aparentemente revelam num primeiro olhar. Esta que aqui reproduzimos é um bom exemplo: trata-se da cena mais conhecida do primeiro filme de Jean-Luc Godard, "O Acossado" (1960), que o tempo viria a consagrar - em conjunto com "Hiroshima, Meu Amor" (1958), de Alain Resnais, e "Os 400 Golpes" (1959), de François Truffaut - como a obra-charneira de uma nova forma de fazer cinema, a Nouvelle Vague.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Há fotografias que valem muito mais do que aquilo que aparentemente revelam num primeiro olhar. Esta que aqui reproduzimos é um bom exemplo: trata-se da cena mais conhecida do primeiro filme de Jean-Luc Godard, "O Acossado" (1960), que o tempo viria a consagrar - em conjunto com "Hiroshima, Meu Amor" (1958), de Alain Resnais, e "Os 400 Golpes" (1959), de François Truffaut - como a obra-charneira de uma nova forma de fazer cinema, a Nouvelle Vague.

Nela, Jean-Paul Belmondo, um jovem actor francês então desconhecido, e Jean Seberg, actriz americana que trazia já no seu currículo dois filmes com Otto Preminger ("Joana d'Arc", 1957, e "Bonjour Tristesse", 1958) - ou, dito de outra forma, um jovem foragido à polícia e uma estudante que vende o "New York Herald Tribune" -, percorrem descontraidamente os Campos Elísios, avenida acima, avenida abaixo. Negligentemente, como quem tem a vida toda à sua frente, como quem a pode perder na próxima esquina...

Esta fotografia, agora em destaque na galeria James Hyman, em Londres, está para o cinema francês e para toda uma época nova no cinema do Velho Continente como aquela que foi feita na rodagem de "O Pecado Mora ao Lado" (1955), de Billy Wilder, com Marilyn Monroe a passar com o seu vestido branco sobre o ventilador do metro, está para a comédia americana da década de 50. São fotografias ícones, que contêm uma narrativa em si próprias, independentemente dos filmes que documentam. O elogio vale pois, e sobretudo, para os seus autores.

Raymond Cauchetier (n. 1920) é o autor da fotografia-ícone da Nouvelle Vague, que, curiosamente e à imagem do que aconteceu com a de Marilyn, não foi registada no momento preciso em que a cena de "O Acossado" foi filmada mas alguns momentos depois, numa reconstituição expressamente preparada para o registo fotográfico - só assim se percebe que as posições relativas de Seberg e Belmondo na avenida parisiense sejam opostas às que vemos no filme de Godard!... 

Depois de ter trabalhado como fotógrafo de guerra na Indochina, Cauchetier fora contratado por Godard para registar a rodagem do seu filme. Depois de "O Acossado", manteve-se como uma espécie de fotógrafo exclusivo desse "bando à parte" de jovens realizadores franceses. Voltou a trabalhar com Godard em "Uma Mulher É uma Mulher" (1961), ainda com Belmondo e já também com Anna Karina (na foto, durante a rodagem), que se tornaria depois companheira do realizador. E também com François Truffaut ("Jules e Jim", 1962; "Angústia", 1963; "Beijos Roubados", 1968), com Jacques Demy ("Lola", 1960) e com Jacques Rozier ("Adieu Philippine", 1960), entre outros.

É da rodagem destes e de muitos outros filmes que agora são revelados momentos quase confidenciais em "La Nouvelle Vague - Iconic New Wave Photographs", a exposição que a Galeria James Hyman, em Londres, dedica a Raymond Cauchetier até 28 de Agosto, numa altura em que se assinalam simultaneamente o 50º aniversário da estreia de "O Acossado" (nos EUA, a Rialto Pictures editou uma versão restaurada do filme e, em França, o historiador e crítico Antoine de Baecque lançou uma biografia não especialmente autorizada de Godard) e o 90º aniversário do fotógrafo francês.

"O fotógrafo tem de saber passar despercebido. No 'plateau', ele é apenas uma sombra", disse Cauchetier sobre o seu trabalho. Ele foi a "sombra" que, durante uma década, fez luz sobre a Nouvelle Vague. E também já publicou um livro sobre isso.