O país dos referendos diz hoje se proíbe os minaretes

Foto
A campanha pelo sim à proibição dos minaretes elaborou cartazes que os compara a mísseis Denis Balibouse/REUTERS

As sondagens antecipam a vitória do "não", mas o "sim" ganhou algum terreno: em Outubro, 34 por cento dos interrogados pelo instituto Angus Reid diziam ir votar "sim", agora são 37 por cento. O "não" mantém-se nos 53 por cento e os indecisos diminuíram de 13 para dez por cento.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

As sondagens antecipam a vitória do "não", mas o "sim" ganhou algum terreno: em Outubro, 34 por cento dos interrogados pelo instituto Angus Reid diziam ir votar "sim", agora são 37 por cento. O "não" mantém-se nos 53 por cento e os indecisos diminuíram de 13 para dez por cento.

Mesmo que o "sim" vença, será difícil concretizar esta proibição, obviamente discriminatória. As possibilidades de recurso são muitas, do Tribunal Federal para a Discriminação, ao Tribunal de Estrasburgo, lembra Stéphane Lathion, chefe do Grupo de Investigadores do Islão na Suíça (GRIS) e director do curso Islão, Muçulmanos e Sociedade Civil.

Em causa não está a proibição de símbolos religiosos no espaço público ou a interdição de torres altas. Apenas e só a das torres das mesquitas a partir das quais os muçulmanos são tradicionalmente chamados à oração - chamamento que não se ouve fora dos muros das mesquitas suíças nem na maioria dos países europeus, incluindo Portugal.

O mais provável é então a derrota do "sim". A vitória vai medir-se de outra forma. "As reacções negativas dependem da percentagem. Mais de 40 por cento será um sucesso para os promotores. "Perdemos, mas vejam, os suíços têm medo, e nós vamos ficar vigilantes"", dirão, explicou Lathion numa entrevista ao PÚBLICO.

Ninguém duvida que em causa estão medos. E se alguém duvidasse, bastava espreitar a campanha.

Minaret Attack

A questão começou por ser local: os muçulmanos de uma pequena cidade, Langenthal, no cantão de Berna, entusiasmaram-se com a construção de um belo templo sikh e pediram para construir uma mesquita com um minarete de nove metros. A sua causa recebeu desde logo a bênção do partido UDC (evangélicos fundamentalistas). Mas foi o Partido do Povo Suíço (SVP), o grupo ultraconversador que nas eleições de 2007 chegou aos 29 por cento, que a fez nacional.

Às mãos do SVP, a campanha tornou-se ela própria no debate. O principal cartaz, proibido em várias cidades, mostra sete minaretes "mísseis" que invadem a bandeira helvética e são "guardados" por uma mulher vestida de chador, só com os olhos descobertos.

Também há um jogo de vídeo, Minaret Attack: o dia nasce atrás de cumes cobertos de neve até que, subitamente, do fundo do vale, à frente de uma igreja, surge um minarete, depois dois, três, até serem sete, mais altos do que as igrejas, mais altos do que os picos das montanhas, mais altos do que o Sol. Os muezzin (de longos bigodes) saem dos minaretes e cantam "Deus é grande, Deus é Grande".

"Fim de jogo! A Suíça está repleta de minaretes. Para que isto não aconteça, vota "sim" a 29 de Novembro"...

Hoje existem quatro minaretes na Suíça. Quatro. Nos 180 locais de culto espalhados pelo país. Dois dos minaretes, diz Andreas Tunger-Zanetti, do Centro de Investigação em Religião da Universidade de Lucerne, foram acrescentados a estruturas que não foram construídas de raiz para funcionarem como mesquita.

Os muçulmanos do país são a terceira maior comunidade religiosa, a seguir aos católicos e aos protestantes. Quatro por cento da população. É uma comunidade muito diversa, com uma forte maioria originária da Turquia e dos Balcãs, diz Lathion. "Podemos falar de um islão europeu, pessoas habituadas à separação da religião e da política e para as quais o termo laicidade não é desconhecido", explica.

A UDC e o SVP dizem que estão a combater a islamização da Suíça, da Europa, antes que seja tarde. Lembram Recep Tayyip Erdogan, o primeiro-ministro da Turquia, quando este, antes de chegar ao Governo, recitou os seguintes versos: "As mesquitas são as nossas casernas/ As cúpulas, os nossos capacetes/ Os minaretes, as nossas baionetas/ Os fiéis os nossos soldados". Tal como a Suíça, a Turquia é uma república laica e Erdogan foi preso por causa da récita pública. Mas tal como a oposição turca ainda hoje vê no partido de Erdogan uma agenda escondida para impor a sharia (lei islâmica), é esse o desígnio que estes partidos vêem quando olham para os muçulmanos de Langenthal.

"A visibilidade é o elemento chave. Véu, espaços próprios nos cemitérios, piscinas mistas, minarete. Um muçulmano invisível não coloca problemas", diz o investigador do GRIS. Ou seja, na Suíça, tal como na Europa, as questões da visibilidade do islão são cada vez mais alvo de discussão, muitas vezes movidas por polémicas distantes. A do lenço, por exemplo, veio de França, confirma Stéphane Lathion.

Na Suíça é fácil convocar um referendo. Mas a imigração, a integração e a diluição da identidade nacional são temas em França, no Reino Unido, na Alemanha, em Itália. E hoje, em todos estes países, o "outro" é frequentemente o muçulmano. Como noutros, há na Suíça partidos de extrema-direita prontos a explorar emoções e a extremar discussões.

Também há um passado: Tunger-Zanetti lembra que "levou séculos a que católicos e protestantes vivessem lado a lado no mesmo cantão". Que "só em 1874 os judeus foram autorizados a instalarem-se onde queriam" e que "só em 1973 foi abolida a proibição de fundar novos mosteiros". A meio do século passado, recorda, "os mórmones foram vistos como muito suspeitos quando ali quiseram, e finalmente conseguiram, construir o seu primeiro templo na Europa".

Tradição xenófoba

Lathion enumera uma tradição xenófoba mais recente, iniciada nos anos 1970: "Primeiro os italianos, depois os espanhóis, os portugueses, os turcos e hoje os cidadãos dos Balcãs são catalogados como muçulmanos". Os crentes do islão integraram-se bem, diz. Mas "as frustrações podem aparecer com as novas gerações que não aceitam tão facilmente serem discriminadas em contratos de trabalho ou para encontrar casa porque se chamam Erkan, Saffiya ou Ahmed."

O investigador de Lausanne vê consequências positivas no debate aberto pelo referendo. "A maioria silenciosa foi obrigada a exprimir-se publicamente, o que mostrou a diversidade da presença" muçulmana. "Habitualmente só apareciam líderes árabes, que não representam nem cinco por cento dos muçulmanos", nota.

Há quem se concentre nas consequências negativas. O Governo, incluindo ministros que se têm manifestado contra a consulta, teme pela imagem da Suíça. Ninguém esquece o impacto dos cartoons de Maomé, publicados na Dinamarca. Vários think tanks temem pela saúde da economia e pelo futuro dos negócios com países árabes e muçulmanos. Todas as comunidades religiosas estão contra o referendo e temem o fim da tolerância.

Uma das poucas mesquitas com minarete na Suíça, a de Genebra, foi atacada três vezes este mês: primeiro um carro com um altifalante passou pelo edifício imitando um muezzin; depois vândalos lançaram pedras da calçada, estragando um mosaico; na quinta-feira, foi atirada tinta cor-de-rosa para a entrada.