Contabilistas notificados por dívidas fiscais dos seus clientes

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Ministério liderado por Teixeira dos Santos diz que os poucos lapsos existentes já foram resolvidos Daniel Rocha/PÚBLICO (arquivo)

Numa das notificações dirigida a um TOC, a que o PÚBLICO teve acesso, com data do final de Agosto, o serviço de finanças começa por sublespaço de tempoinhar que está a cumprir ordens dadas pela Direcção de Serviços de Créditos Tributários da DGCI. Com base nessas ordens, informa o TOC de "que o seu nome consta de um ficheiro de contribuintes devedores com notícias de crime tributário no Sistema de Inquéritos Criminais Fiscais". De seguida, o TOC é ainda informado das consequências a que se sujeita caso a dívida não seja paga. A notificação prossegue lembrando ao TOC que, para evitar essas consequências, "deverá proceder ao pagamento das dívidas fiscais no mais curto espaço de tempo".

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Numa das notificações dirigida a um TOC, a que o PÚBLICO teve acesso, com data do final de Agosto, o serviço de finanças começa por sublespaço de tempoinhar que está a cumprir ordens dadas pela Direcção de Serviços de Créditos Tributários da DGCI. Com base nessas ordens, informa o TOC de "que o seu nome consta de um ficheiro de contribuintes devedores com notícias de crime tributário no Sistema de Inquéritos Criminais Fiscais". De seguida, o TOC é ainda informado das consequências a que se sujeita caso a dívida não seja paga. A notificação prossegue lembrando ao TOC que, para evitar essas consequências, "deverá proceder ao pagamento das dívidas fiscais no mais curto espaço de tempo".

Perante esta situação, fonte oficial das Finanças, contactada pelo PÚBLICO, confirmou que "o(s) organismo(s) representativo(s) dos TOC e respectivas empresas de contabilidade remeteram à DGCI exemplos de situações pontuais de cartas enviadas por um escasso número de Serviços Locais de (...) que podem induzir em erro os TOC em causa, levando-os a assumir que lhes estava a ser exigido o pagamento de dívidas de outrem".

As Finanças esclarecem que essas "situações foram entretanto já corrigidas" e que já foram dadas "orientações (...) para que essas situações pontuais sejam corrigidas e não se voltem a repetir". Por último, as Finanças garantem que todos os erros ocorreram "fora de qualquer processo ou procedimento, dado que se tratavam de cartas com fim pedagógico, dirigidas às empresas e que, por erro foram também enviadas aos respectivos TOC", ou seja, "esse erro resultou da troca do texto da carta dirigida às empresas e da que se destinava ao TOC, porquanto o que se pretendia com estas últimas era solicitar apenas a colaboração dos TOC".

As notificações enviadas aos TOC criaram, no entanto, um profundo mal-estar na CTOC e Domingues de Azevedo, o líder desta entidade, lembra que já escreveu ao director-geral dos Impostos tendo sublinhado que os TOC "nunca se recusaram e nunca se recusarão a colaborar com a DGCI, mas recusam-se a ser parolos". Numa carta enviada à DGCI, com data de 29 de Setembro, Domingues de Azevedo sublinha que as "notificações põem em causa o bom nome do profissional, o que será passível de recurso judicial no domínio da responsabilidade extracontratual do Estado e por difamação, pois chama devedor a quem nada deve". Até ao final do dia de ontem, a CTOC não tinha recebido resposta das Finanças e no respectivo site era ainda possível verificar que a carta enviada para a DGCI foi também remetida a oito serviços de finanças.

O que diz a lei

A Lei Geral Tributária prevê no seu artigo 24.º a possibilidade de os TOC serem responsabilizados pelas dívidas dos seus clientes. O número três do referido artigo determina, no entanto, que essa responsabilidade só existe caso "se demonstre a violação dos deveres" dos TOC. Ou seja, explica Domingues Azevedo, a responsabilidade do TOC "termina no acto declarativo. Depois, com base nessas declarações, se o sujeito passivo paga ou não, o TOC já não tem nada a ver com isso".

Por outro lado, o artigo 23.º da mesma LGT apenas permite a reversão de dívidas quando o contribuinte devedor não tem meios para as pagar. Por fim, a própria DGCI emitiu em Abril do ano passado um ofício-circulado onde esclarecia o âmbito da responsabilidade dos TOC determinando que num processo de reversão contra um TOC, a DGCI teria sempre de "apurar e demonstrar inequivocamente uma conduta dolosa ou negligente da sua parte". No entanto, as notificações que foram enviadas não só não faziam qualquer alusão à eventual conduta do TOC como não referiam qual a legislação em que baseava a notificação.

E é com base nesta legislação que dois fiscalistas contactados pelo PÚBLICO estranham a natureza das notificações. Pedro Vital Matos, do escritório Cuatrecasas, Gonçalves Pereira & Associados não tem dúvida sobre esta actuação da DGCI, considerando-a "manifestamente censurável" e esperando que a mesma "seja adequadamente corrigida". Já Pedro Amorim, realça que face às referidas notificações "é difícil apurar a base legal da actuação da DGCI, desde logo porque tais notificações são absolutamente omissas quer quanto aos preceitos legais aplicáveis, quer quanto à existência de processos de reversão por dívidas tributárias das empresas a quem os TOC prestem serviços".

O Ministério das Finanças adianta ainda que a DGCI, actualmente e no âmbito destes processos-crime "está incumbida de efectuar investigações criminais fiscais no âmbito de mais de 20.421 processos de inquérito", sublinhando, contudo, que nem todos estes processos já deram lugar a igual número de notificações não tendo ontem sido possível apurar qual o número de notificações enviadas.