Andrea Palladio: O genial arquitecto nasceu há 500 anos

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Saídos de Piccadilly, em Londres, atravessa-se um pórtico tripartido a eixo do edifício e estamos no pátio da casa Burlington. Impõe-se um momento de aclimatação e reconhecimento. Medirmo-nos com a obra é a experiência fundamental da arquitectura. Principalmente desta arquitectura que se fundamenta no elegante exercício de geometrias elementares e directas. Sente-se a coerência da estrutura do edifício em três partes forçando a noção de simetria, com o plano da arcada ao centro, por onde se acede, momento mediador entre interior e exterior no piso térreo mas também varanda no piso nobre. Posicionamo-nos dentro do enquadramento cujo ponto de fuga é claramente ao centro.

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Saídos de Piccadilly, em Londres, atravessa-se um pórtico tripartido a eixo do edifício e estamos no pátio da casa Burlington. Impõe-se um momento de aclimatação e reconhecimento. Medirmo-nos com a obra é a experiência fundamental da arquitectura. Principalmente desta arquitectura que se fundamenta no elegante exercício de geometrias elementares e directas. Sente-se a coerência da estrutura do edifício em três partes forçando a noção de simetria, com o plano da arcada ao centro, por onde se acede, momento mediador entre interior e exterior no piso térreo mas também varanda no piso nobre. Posicionamo-nos dentro do enquadramento cujo ponto de fuga é claramente ao centro.

O ambiente de proporções e princípios estáveis é o mais adequado para nos colocarmos perante o que aqui nos trouxe: a exposição comemorativa dos 500 anos do nascimento do grande arquitecto do Renascimento italiano, Andrea Palladio (1508-1580).

Foi a partir dos ensinamentos do Tratado Palladiano que Lorde Burlington promoveu a reconstrução da sua casa em 1715. Ordenada a reconstrução, partiu para Itália para estudar a obra de Palladio e regressou quatro anos depois com 60 desenhos de Palladio comprados em Veneza. Homem de grande cultura e reconhecido pelos intelectuais do seu tempo, Burlington tornou-se no grande impulsionador da moda palladiana em Inglaterra a partir do século XVIII, na tentativa de purificar a arquitectura inglesa dos excessos do Barroco.

Decididos e expectantes, enfrentamos então a grande escadaria de acesso ao piso superior. Trata-se de um acontecimento raro. A última grande exposição sobre a obra de Palladio aconteceu em Washington DC em 1981. Esta é a segunda montagem (até 13 de Abril) de uma exposição inaugurada em Vicenza em 2008, organização conjunta da Royal Academy of Arts e do Centro Internazionale di Studi di Architecttura Andrea Palladio, Vicenza, com a colaboração do Royal Institute of British Architects.

Palladio foi o principal intérprete da ambição das ricas familias venezianas que se viraram para a terra firme para aí estabelecerem produções agrícolas, científicas e rentáveis, em toda a região do Veneto, a norte do rio Pó. A recuperação e saída da crise que se abateu sobre as cidades mercantis italianas, sobretudo Veneza, em virtude da perda do poderio comercial com a queda do Império Romano do Oriente, foi a grande contingência que Palladio trabalhou e que mudou definitivamente a paisagem do Veneto e da arquitectura no seu tempo. Para isso em muito contribuiu o grande número de residências e casas de campo construídas e projectadas e a sua divulgação através da publicação do seu tratado de arquitectura "I Quattro Libri".

"A obra de Palladio nada tem de ver com a curiosidade histórica. Ele estava interessado em estudar, em estar envolvido no seu tempo, não em produzir ícones. (...) existe uma qualidade arcaica em Palladio. (...) A história é interessante não por ser exótica mas pela sua familiaridade" - excerto do contributo do arquitecto David Chipperfield para a compreensão do legado de Palladio que integra uma das secções da exposição programada pela Royal Academy of Arts.

Peças-chave

A iluminação é reduzida e são duas as peças que captam a nossa primeira atenção: Andrea Palladio retratado por El Greco, 1570-75, e o original do terceiro volume dos "Quattro Libri" publicado em 1570. São peças-chave no enquadramento proposto para a exposição: a contextualização do seu trabalho pelas estreitas relações com influentes personalidades da epoca, o seu círculo de amigos e patronos, retratados por El Greco, Veronese, Ticiano, e o testemunho da colaboração com artistas como Canaletto.

Uma das mais extraordinarias peças é uma obra de Canaletto, uma das pinturas de Veneza que o pintor denominou "vedute ideati" [paisagens ideais], que partiam de enquadramentos reconhecíveis e eram caracterizados pela adição de elementos inventados. "Capriccio" representa o Canal Grande no Rialto numa paisagem quotidiana com pessoas e barcos, dramatizada pela inclusão da proposta (recusada) de Palladio para a nova ponte e com o Palazzo Chiericati à esquerda e o Palazzo della Ragione à direita, obras de Palladio construídas em Vicenza.

A divulgação da Cultura Clássica em guias de arquitectura, com os seus levantamentos desenhados e descritivos das ruínas romanas e sobretudo a publicação do seu tratado de arquitectura, em 1570, foram determinantes na consolidação da imagem pública de Palladio.

A este propósito são expostos numa pequena sala vários desenhos das viagens a Roma, reunidos numa primeira publicação de "Lanticita di Roma" em 1554, e um conjunto de desenhos pouco conhecidos com representações de formações militares das legiões romanas. Algumas destas rigorosas coreografias militares parecem ensaios das soluções formais de Palladio.

Avançando pela exposição, que se prolonga por quatro salas contíguas de proporção e volumetria diversa, é possível ficar imerso na observação detalhada de cada projecto - desenhos originais de enorme delicadeza e, simultaneamente, expressão construtiva, algo que se pode traduzir na extrema simplicidade dos meios usados por Palladio.

A grande revolução

É no grupo das "ville" construídas na grande região do Veneto que Andrea Palladio opera a grande revolução: transporta os valores identificados com a produção da obra de arte para o desenho de habitações que pela sua natureza não estão vinculadas a uma função ou vontade representativa como no contexto religioso ou institucional. Isto permite-lhe utilizar menos elementos, reduzir as decorações clássicas e até trabalhar com reboco e tintas em vez de pedra.

Sentados ao centro da terceira sala, a visão panorâmica sobre as grandes maquetas produzidas para este acontecimento, de tamanho e mimetismo excessivos, tem o carácter de simulacro dos ambientes, constituindo-se como um obstáculo à fruição do efectivo espaço palladiano: a própria Casa Burlington.

Segundo Eric Parry, responsável pelo desenho da exposição, a noção de escala e intimidade é produzida na sequência das salas por uma codificada paleta cromática. Mais um excesso de encenação. Contudo, com o seu registo fotográfico em fundo, expõe outra característica fundamental do pensamento de Palladio: a atenção particular para a implantação das casas de modo a estabelecer um domínio visual sobre a paisagem, onde o elemento mais constante é a "loggia" (varanda), que funciona como átrio de transição entre interior e exterior. Neste contexto, a Villa Almerico Capra, conhecida como a Rotonda, surge como síntese destes sistemas formais enformados pelo respeito à natureza. Dela disse Palladio que o lugar era belíssimo porque se podia observar a envolvente nas quatro direcções, pelo que resolveu, através da fixação de toda a composição pela simetria cruzada, construir pórticos em cada uma das quatro faces da casa, destacados da sua base quadrada.

Em anexo, à margem (e marginalizado), uma selecção de contributos por arquitectos contemporâneos sobre o legado de Palladio. Usando diferentes suportes, as narrativas apresentadas em forma de entrevista, composição de imagens e peças realizadas para o efeito documentadas em vídeo são dispostas em zonas de circulação e junto a caminhos de acesso. A heterogeneidade destes contributos e a implantação claramente secundária no contexto da exposição não favorecem uma perspectiva informada sobre o lastro do autor. No entanto, e como seria de esperar, a leitura de arquitectos com David Chipperfield, António Jimenez Torrecillas e Arata Isozaki, entre outros, revela-se decisiva para a compreensão do enunciado da exposição: "Vida e Legado".

De regresso a Piccadilly após passeio solitário pelo século XVIII em Mayfair, referenciado no guia da exposição como "North Walking Palladian London", fomos engolidos pela manifestação ao som megafónico de "Jobs Justice Climate". Aproximava-se a cimeira do G20 e seguimos animados até ao Speakers Corner em Hyde Park debatendo os (outros) problemas do nosso tempo.