Igreja da Cientologia: “A verdade é o que é verdadeiro para ti”

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David Miscavige, actual líder da Igreja a nível internacional DR

Desde início, Elisabete mostra-se curiosa em relação à vida pessoal do jornalista. Afinal, um dos objectivos principais da Cientologia é ajudar o indivíduo a ultrapassar as suas limitações e controlar o mundo em seu redor. “A Cientologia baseia-se na reabilitação do ser. O Homem tem um corpo, uma mente, é um ser espiritual, e é esse ser que necessita dos procedimentos da Cientologia.” Estes procedimentos a que Elisabete se refere chamam-se Dianética e passam muito por uma das suas práticas centrais: a auditoria. Um processo que se aproxima da psicanálise: é feito por duas pessoas (auditor e auditado) e consiste na tentativa de livrar a mente dos episódios traumáticos que a atormentam desde a nossa concepção (enagramas). Segundo a teoria de L.R. Hubbard estes enagramas estão armazenados naquilo a que chama “mente reactiva” que tem o seu pólo antagónico numa “mente analítica”. Os episódios traumáticos funcionam como uma barreira que, para os cientologistas, impede o completo desenvolvimento do ser humano. A auditoria serve precisamente para deixar o indivíduo “libertar a carga emocional do acontecimento, e passar a fazer uma análise analítica e não reactiva”. “Levar a pessoa a tornar-se mais capaz e auto-determinada”, uma expressão que Elisabete utiliza várias vezes.

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Desde início, Elisabete mostra-se curiosa em relação à vida pessoal do jornalista. Afinal, um dos objectivos principais da Cientologia é ajudar o indivíduo a ultrapassar as suas limitações e controlar o mundo em seu redor. “A Cientologia baseia-se na reabilitação do ser. O Homem tem um corpo, uma mente, é um ser espiritual, e é esse ser que necessita dos procedimentos da Cientologia.” Estes procedimentos a que Elisabete se refere chamam-se Dianética e passam muito por uma das suas práticas centrais: a auditoria. Um processo que se aproxima da psicanálise: é feito por duas pessoas (auditor e auditado) e consiste na tentativa de livrar a mente dos episódios traumáticos que a atormentam desde a nossa concepção (enagramas). Segundo a teoria de L.R. Hubbard estes enagramas estão armazenados naquilo a que chama “mente reactiva” que tem o seu pólo antagónico numa “mente analítica”. Os episódios traumáticos funcionam como uma barreira que, para os cientologistas, impede o completo desenvolvimento do ser humano. A auditoria serve precisamente para deixar o indivíduo “libertar a carga emocional do acontecimento, e passar a fazer uma análise analítica e não reactiva”. “Levar a pessoa a tornar-se mais capaz e auto-determinada”, uma expressão que Elisabete utiliza várias vezes.

A Cientologia teve a sua fase embrionária no início da década de 50 quando L. R. Hubbard, que até então tinha dividido a sua vida adulta entre escritor de ficção científica de relativo sucesso e uma carreira militar desapontante, convenceu o seu editor a publicar o primeiro artigo sobre dianética. No ano seguinte lançaria o livro entitulado Dianética: A Ciência Moderna da Saúde Mental que rapidamente se tornou um best-seller, vendendo 150.000 cópias num ano. Nele, Hubbard enuncia algumas práticas de auto-ajuda e é, ainda hoje, um dos pilares mais importantes da religião. Finalmente, em 1952 viria a fundar a Igreja da Cientologia, que liderou até à sua morte em 1986.

Apesar de a dianética nunca ter sido reconhecida pela comunidade científica, sendo apelidada de pseudo-ciência, para os membros da Igreja como Elisabete “a dianética pode ser considerada uma ciência, porque tem um resultado exacto”. “Veio provar que o Homem é um ser espiritual e não um animal. Estamos a falar de uma tecnologia exacta, um procedimento baseado em verdades e axiomas que quando aplicados têm determinados resultados.” Esta crença inabalável nos ensinamentos de Hubbard mesmo quando o resto do mundo aponta no sentido inverso pode ser resumida numa frase deste último, também muito repetida por Elisabete: “A verdade é o que é verdadeiro para ti.”

Elisabete entrou na Igreja da Cientologia há dez anos. Neste momento, além de receber, também já faz auditoria. Descreve o seu percurso como “nós estarmos a viver num lado, pomos o pé no outro e sentimos que esse lado é diferente - é a parte espiritual. “A minha capacidade de percepção aumentou bastante e consigo compreender as atitudes dos outros: olhar para um ser humano que tem determinados problemas e saber como nós o podemos ajudar.”

Uma das acusações que a Cientologia tem vindo a sofrer é a de que provoca um isolamento dos seus membros em relação ao mundo exterior “não-cientologista”. Com Elisabete isso não acontece: “o meu grupo de amigos está essencialmente na Igreja, mas também tenho amigos que não são cientologistas com os quais convivo.” Além do seu emprego na área comercial, dedica em média oito horas diárias à Igreja e está neste momento “a meio caminho” de alcançar o estatuto de clear, isto é, alguém que conseguiu ultrapassar todas as suas experiências traumáticas. Os últimos passos terão de ser dados no estrangeiro, tendo em conta que em Portugal a igreja não está habilitada a conferir esse nível.

Crente-pagador
A hierarquia da igreja tem por base uma evolução por patamares. A seguir a clear, segue-se o nível de Thetan Operante que, por sua vez, tem oito níveis, ao longo dos quais é suposto o indivíduo alcançar uma maior clareza espiritual. Segundo Hubbard, o último nível permitirá dominar o MEST - matéria, energia, espaço (“space”) e tempo – e controlar os outros à distância.

As subidas de níveis demoram anos e são feitas através de vários “cursos”. Cursos esses que são pagos. Em Portugal, por exemplo, o custo dos níveis mais baixos varia entre os 50 e os 70 euros e, à medida que se for avançando na hierarquia, vão ficando muito mais caros. Este modelo de “utilizador-pagador” que obriga a dar uma compensação monetária em troca de espiritualidade suscita críticas e comparações da igreja com um negócio. Elisabete assegura que a Igreja da Cientologia é uma organização “sem fins lucrativos” e que “todo o donativo que o indivíduo dá é para melhoramento do serviço”. Contudo, num artigo de 1991 a revista “Time” cita Hubbard num dos seus boletins para os paroquianos dizendo: “Façam dinheiro. Façam mais dinheiro. Façam outros produzirem para se fazer dinheiro... Qualquer que seja a maneira para os fazer entrar, façam-no.”

Esta hierarquização por níveis comporta ainda um outro problema: há informação a que só os cientologistas com um nível mais elevado têm acesso. Por isso, quando questionada acerca da história de Xenu (ditador que, segundo Hubbard, governava a Galáxia há 75 milhões de anos. Ver caixa) Elisabete garante que nunca a encontrou “em nenhum livro das escrituras de Cientologia”. “Surgiu para denegrir a verdadeira doutrina da Cientologia. Está na net, não devia estar, mas as pessoas divertem-se com isso...”. O que Elisabete não refere é que esta história só é revelada em níveis mais elevados dentro da Igreja, níveis que está ainda longe de atingir. Ela própria admite que “uma pequena parcela de livros são considerados confidenciais e só podem ser alcançados por indivíduos que já receberam certos patamares espirituais e tenham um determinado nível de ética para poder compreender e alcançar os objectivos desses livros”.

Paz na Terra…menos para os inimigos
Francisco Nunes é gráfico e tomou contacto com a Igreja pela primeira vez através de um folheto com a cara de Einstein que dizia que só usamos dez por cento da nossa capacidade mental (outra das coisas que a igreja reivindica é a capacidade de aumentar o Q.I. dos indivíduos). Através desse folheto encomendou o livro Dianética: A Ciência Moderna da Saúde Mental e, apesar do seu cepticismo inicial, ganhou com isso uma sessão terapêutica gratuita. “A partir daí nunca mais parei”. Isto foi há 18 anos, quatro anos depois da fundação da igreja em Portugal em 1986. Hoje em dia, a Igreja Portuguesa de Cientologia tem registados cerca de 8.000 membros como Francisco. Um número que tem aumentado mais nos últimos anos devido às recentes traduções dos livros de Hubbard.

Elisabete faz questão de lembrar que a Igreja desenvolve também actividades paralelas viradas para a sociedade como campanhas pelos direitos humanos, contra as drogas e contra a criminalidade o que, para ela, é a prova de que este credo não é uma organização fechada. “A Cientologia tem o mesmo objectivo de qualquer outra religião - a paz na Terra. Mas a meta principal é nenhuma insanidade, nenhuma guerra e nenhuma criminalidade, em que os homens capazes prosperem e os honestos tenham direitos.” Esta referência a homens capazes não é feita por acaso e é relevante a distinção que a Igreja faz entre capazes e não capazes. A partir das suas investigações pessoais L.R. Hubbard inventou uma escala - o tom emocional. Através dela declarou que dois por cento da população mundial tinha um tom emocional demasiado baixo e recusava qualquer melhoramento pessoal. Na opinião de Elisabete, “esses são os inimigos da Cientologia”. Hubbard certamente concordaria com ela, pois acerca destes indivíduos afirmou que “qualquer pessoa de 2.0 para baixo na escala de tom não deve ter, em qualquer sociedade pensante, quaisquer direitos civis”.

Também a pensar nas pessoas que estão abaixo deste limiar foi criada a política de “fair-game” (jogo limpo), uma prática iniciada pela Cientologia para se defender dos seus inimigos. Representantes da Igreja afirmam que isso são coisas do passado, mas a verdade é que operações dos anos 70 como “Snow White” e “Freakout” [ver caixa], ambas descobertas pelo FBI, são exemplos das tácticas ilícitas usadas pela Igreja. Aliás, uma das características que nos salta mais à vista relativamente à Igreja da Cientologia é o elevado número de processos em tribunal que tem, tanto como réu como acusadora. Elisabete encontra na luta da Igreja pela liberdade religiosa e contra os seus difamadores as razões para as idas a tribunal serem tão frequentes. “Todos os tribunais até agora têm considerado a Cientologia uma religião de boa fé.” Esta posição é, no mínimo, discutível, visto que as operações já referidas, quando descobertas, deram origem a acusações como conspiração, roubo de propriedade governamental ou obstrução à justiça. Processos que levaram à condenação, entre outros, de Mary Sue Hubbard, mulher de L. R. Hubbard e uma das pessoas mais bem colocadas na hierarquia da Igreja.

Religião de Hollywood
Nos últimos anos, as notícias sobre a Cientologia têm estado ligadas aos seus membros mais famosos. Músicos e actores de televisão ou de cinema que se assumem como cientologistas, e alguns fazem mesmo trabalhos de divulgação da igreja. Nomes como John Travolta, Beck, Jason Lee, Lisa Marie Presley, Kirstie Alley e, claro, Tom Cruise e a sua mulher Katie Holmes. Cruise tem sido um verdadeiro embaixador da Igreja da Cientologia, promovendo-a sempre que pode. “É um paroquiano que admiro muito”, afirma Elisabete. “O senhor Tom Cruise dá a cara e tem a sua vida privada, se calhar não necessitava de o fazer. Ele aplicou a Cientologia, teve resultados e quer que outros os tenham como ele.” No entanto, Tom Cruise tem-se tornado ao longo dos anos num alvo de chacota pública pelos media, nomeadamente pelos programas de humor. “Aproveitam-se desta situação, escrevem o que lhes apetece e ridicularizam-nos”, queixa-se Elisabete.

Esta separação entre “nós” e os “outros” é algo comum e promovido pela Igreja da Cientologia. Assim como no seio da igreja se formam teorias da conspiração em relação ao resto do mundo, também no exterior existem rumores falsos acerca da Cientologia. E, embora muita informação confidencial tenha já sido tornada pública, só um grupo muito selecto de pessoas conhece realmente a fundo a doutrina da religião. O que não é, de todo, aceite é qualquer revisionismo dos textos e preceitos deixados por Lafayette Ronald Hubbard. Como Elisabete esclarece em mais uma frase que gosta de repetir: “O que existe é o que está escrito e o que está escrito é que é verdade.” Falta apenas dizer que tudo o que está escrito... foi escrito por L. R. Hubbard.