Bonecas russas e uma salada russa

Logo no genérico, Klapisch exibe despudoradamente um aparato telenovelesco de imagens múltiplas, de sobreposições de planos, usando o "split screen" com leviandade. À memória chegam as comédias americanas dos anos 60, exibindo essa mobilidade técnica com uma certa frescura. Só que hoje tal artifício, conjugado com feiíssimos recursos a uma caricatural câmara lenta, soa a requentado, não funciona senão como expressão de incapacidade narrativa. A ideia de argumento repousa no aproveitamento de bilhetes-postais de São Petersburgo (Paris visto do apartamento da modelo, com os "bateaux-mouches" em fundo, ou a Londres de Piccadilly Circus, filmada do alto de um autocarro afinam pelo mesmo diapasão), inventando para uma personagem, Willy, um casamento russo com uma bailarina do Marinski e girando entre cidades europeias, ao sabor de um ténue fio narrativo: Xavier (pobre Romain Duris, perdido em personagem inexistente...) não consegue escrever, exibindo a seu desespero sentimental, e oscila entre a nostalgia do romance com Martine (Audrey Tautou igual a si própria) e uma nova hipótese com Wendy, tão patética como todo o arremedo de economia sentimental de que o mundo vazio de Klapisch é capaz.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Logo no genérico, Klapisch exibe despudoradamente um aparato telenovelesco de imagens múltiplas, de sobreposições de planos, usando o "split screen" com leviandade. À memória chegam as comédias americanas dos anos 60, exibindo essa mobilidade técnica com uma certa frescura. Só que hoje tal artifício, conjugado com feiíssimos recursos a uma caricatural câmara lenta, soa a requentado, não funciona senão como expressão de incapacidade narrativa. A ideia de argumento repousa no aproveitamento de bilhetes-postais de São Petersburgo (Paris visto do apartamento da modelo, com os "bateaux-mouches" em fundo, ou a Londres de Piccadilly Circus, filmada do alto de um autocarro afinam pelo mesmo diapasão), inventando para uma personagem, Willy, um casamento russo com uma bailarina do Marinski e girando entre cidades europeias, ao sabor de um ténue fio narrativo: Xavier (pobre Romain Duris, perdido em personagem inexistente...) não consegue escrever, exibindo a seu desespero sentimental, e oscila entre a nostalgia do romance com Martine (Audrey Tautou igual a si própria) e uma nova hipótese com Wendy, tão patética como todo o arremedo de economia sentimental de que o mundo vazio de Klapisch é capaz.

Os "clichés" mais redutores sucedem-se à velocidade da luz, desde o lamentável episódio em casa de Isabelle, com a fantasia lésbica tratada com um "voyeurismo" desconcertante, até à (reaccionária?) metáfora final, que dá título ao filme, da procura da mulher ideal, abrindo uma sequência de bonecas russas, em busca da definitiva e, obviamente, mais pequenina (apetecia dizer, mais insignificante).

Mas os lugares comuns da comédia sentimental "à la Klapisch" não se esgotam aqui: o bailado é, claro, "O Lago dos Cisnes", a modelo é bonita e oca, o guião para o telefilme que Xavier escreve ao longo do filme passa-se em Veneza, os diálogos repetem patetices instituídas, a casa comunitária, herdada dos tempos soviéticos, constitui réplica pobre de memórias cinematográficas.

No entanto, o mais irritante deste filme previsível passa pela pretensão de querer desconstruir o "cliché", ironizar sobre ele, chegando a mais radical "cliché": não há nada mais estúpido do que aspirar a dar dimensão artística a um chorrilho de banalidades. "O Fabuloso Destino de Amélie", de Jean-Pierre Jeunet, famigerada matriz para este tipo de "comédia à francesa", possuía a vantagem de simplificar, de apresentar o real falsamente depurado, mas directo, com o "gag" à vista. "As Bonecas Russas" quer fazer "intelectual" com material de pacotilha sobre o nada, sobre o vácuo ficcional absoluto. Daí a sensaboria que irradia e a fúria que pode despertar em que se recusa a comprar gato escanzelado por lebre.