Inocentes bruxedos

"Casei com uma Feiticeira" deve ler-se no contexto desta tentativa de actualizar códigos, aproveitar conceitos e desenvolver uma estratégia de escapismo controlado. O artificioso argumento repousa na ideia do filme-no-filme: uma estrela em decadência, Jack Wyatt (o insuportável Will Ferrell), ao preparar um "remake" televisivo da série de culto "Bewitched", contrata para o papel da protagonista, uma estreante Isabel Bigelow (interpretada pela inefável Nicole Kidman que se cola, sem grande autonomia, à "persona" de Elizabeth Montgomery), que também é feiticeira, exercendo os seus dons mágicos para conquistar o amor do parceiro.

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"Casei com uma Feiticeira" deve ler-se no contexto desta tentativa de actualizar códigos, aproveitar conceitos e desenvolver uma estratégia de escapismo controlado. O artificioso argumento repousa na ideia do filme-no-filme: uma estrela em decadência, Jack Wyatt (o insuportável Will Ferrell), ao preparar um "remake" televisivo da série de culto "Bewitched", contrata para o papel da protagonista, uma estreante Isabel Bigelow (interpretada pela inefável Nicole Kidman que se cola, sem grande autonomia, à "persona" de Elizabeth Montgomery), que também é feiticeira, exercendo os seus dons mágicos para conquistar o amor do parceiro.

O que poderia parecer um projecto estimulante esbarra, no entanto, na escolha dos actores: nem Nicole Kidman possui a fragilidade e a ambiguidade de Meg Ryan, nem Will Ferrell, misto de Chevy Chase e de Adam Sandler, consegue ultrapassar o esgar fácil, a pirueta de cómico televisivo de pacotilha. Jim Carrey teria sido uma escolha feliz, mas não pôde aceitar devido a compromissos anteriores.

A acção decorre entre as peripécias paralelas da vida da bruxa moderna e as filmagens tormentosas, povoadas por uma aparição carismática de Shirley MacLaine, uma Endora cheia de graça, mas pouco trabalhada. O problema central de "Casei com uma Feiticeira", apesar de tudo, uma comédia com excelentes valores de produção, reside na dificuldade de articular todas as suas valências, desperdiçando Endora e a actriz (também ela feiticeira) que a constrói, com o rosto e a verve da MacLaine, bem com o "warlock" de Michael Caine, ao preferir a facilidade comunicativa de Ferrell. A comédia sentimental (relativamente bem) esboçada, no início, não se compadece com a excessiva transparência do humor televisivo. Não há mágica no resultado final, nem qualquer hipótese de química entre o par romântico. Fica, sobretudo, a hipótese falhada de um "auto-analítico" exercício de estilo, que cansa o espectador e frustra o desejo de reconhecimento.

Interessante é o trabalho sobre o lado falso de cenários e ornamentos, em "trompe-l"oeil", por detrás das câmaras, com reconstituição excessiva da diferença entre uma certa ingenuidade televisiva dos anos 60 e o vazio representativo do presente, moldado no regresso ao passado. Para quem se "alimentou" de séries como "Bewitched", esta revisita pode funcionar; sem referências, corre-se o risco de perder a razão de ser do retorno.

Que "inocentes" bruxedos ainda prendem os jovens de um mundo globalizado? A questão fulcral fica: por que razão ressuscitar feiticeiras de um tempo que não volta mais?