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Não há, pois, critérios de estrita marcação da agenda de estreias - e tanto mais num espaço de vocação crítica mas diferenciada, como o desta coluna, que é propriamente de "inclinações" - que me façam supor que "Big Fish", o mais exaltante filme que recentemente descobri, é já "matéria passada". Godard pergunta: "Porque se fala de filmes velhos mas não de livros velhos"? E se a questão é sempre de incidência pública, não sei por que lógica - ou melhor até sei, mas é a de um desgaste mediático das mercadorias, e essa não é a que me interessa - está "gasto" o apreço por um filme estreado há dois meses!

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Não há, pois, critérios de estrita marcação da agenda de estreias - e tanto mais num espaço de vocação crítica mas diferenciada, como o desta coluna, que é propriamente de "inclinações" - que me façam supor que "Big Fish", o mais exaltante filme que recentemente descobri, é já "matéria passada". Godard pergunta: "Porque se fala de filmes velhos mas não de livros velhos"? E se a questão é sempre de incidência pública, não sei por que lógica - ou melhor até sei, mas é a de um desgaste mediático das mercadorias, e essa não é a que me interessa - está "gasto" o apreço por um filme estreado há dois meses!

Tim Burton é um cineasta surpreendente. Alguns traços peculiares do seu imaginário, se foram motivo de distinção, poderão ter contribuído para a tipificação de uma imagem precisa e como tal potencialmente redutora. O estatuto que alcançou, e que faz dele hoje o caso ímpar de um autor singularíssimo de facto operando internamente ao sistema industrial de produção reconhecido por "Hollywood", precisamente numa era de rara indigência criativa desse sistema, esse estatuto permitiu-lhe mesmo a audácia de um exercício de derrisão como "Marte Ataca!". Contudo, esse não só está longe de ser um dos seus melhores filmes como, cada vez se confirma, tendeu a confiná-lo tão só à "bizarria", senão mesmo a remetê-lo para um "campo" dos mais insidiosos da cultura contemporânea que é a revalorização sistemática de toda a fancaria e "trash" (está mesmo na altura de relermos as "Notas sobre o 'Camp'" de Susan Sontag, incluídas em "Contra a Interpretação", agora enfim editado em português).

Ora Burton é latamente um "cineasta do imaginário" e da fantasia. O seu é um cinema de portas secretas e de acesso a territórios surpreendentes. Obviamente que há figuras conhecidas e recorrências - é isso que permite aos espectadores "encontrarem-se" no seu cinema, como modo de por ele serem captados e com ele serem transportados.

Há um critério básico do meu prazer de espectador que, obra após obra, tem vindo a ser confirmado e renovado no contrato de expectativa e fidelidade com o cinema de Tim Burton: surpreender-me! O que espero de um filme, e tanto mais neste regime geral de estandardização das narrativas cinematográficas e audiovisuais, é que seja imprevisível, que um plano me surpreenda em vez de eu já o ter adivinhado no anterior.

Vejamos uma sequência, um exemplo entre tantos possíveis. Edward Bloom vai para a guerra. É lançado sobre uma concentração "inimiga", que é um "show". Vemos a cantora de perfil. Esperamos vê-la de outro ângulo? Oh surpresa!, são duas, gémeas siamesas! E eis que Bloom enceta um diálogo na língua delas, coreano, supõe-se!

Da sua aprendizagem nos desenhos animados, deduziu Burton uma lógica que não é a da "verosimilhança" mas a da "plausibilidade" de acordo com uma lógica que, trabalhando ele agora com "imagens reais" e acolhendo referentes "reais", é no entanto uma lógica estritamente narrativa e imaginária.