Vaga de calor: Portugal nunca teve tantos dias seguidos tão quentes

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A temperatura mínima também está anormalmente elevada António Cotrim/Lusa

Ondas de calor não são um fenómeno inédito no país, pelo contrário. Na Amareleja, onde se registaram as maiores temperaturas deste Verão, houve ondas semelhantes em 1989, 1990, 1991 e 1995. Em Castelo Branco, há registos de vagas de calor desde a década de 1940. Mas não há memória, nem dados estatísticos, que indiquem ter havido, em Portugal, um período excepcionalmente quente tão prolongado.

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Ondas de calor não são um fenómeno inédito no país, pelo contrário. Na Amareleja, onde se registaram as maiores temperaturas deste Verão, houve ondas semelhantes em 1989, 1990, 1991 e 1995. Em Castelo Branco, há registos de vagas de calor desde a década de 1940. Mas não há memória, nem dados estatísticos, que indiquem ter havido, em Portugal, um período excepcionalmente quente tão prolongado.

Ontem, com o mercúrio a bater mais uma vez nos 40 graus centígrados no Alentejo, completaram-se 14 dias seguidos de onda de calor em vários pontos do país (ver mapa). Até locais onde a temperatura não subiu tanto assim estão tecnicamente acima do que seria de esperar. A Guarda, por exemplo, está com temperaturas entre os 30 e os 35 graus, mas ainda assim também se encontra há duas semanas muito mais quente do que o habitual.

Os recordes estendem-se a vários níveis. A temperatura mínima também está anormalmente elevada. Em Portalegre, os termómetros mantiveram-se acima dos 30 graus durante as noites dos dias 1 e 2 de Agosto. "Nunca a mínima foi tão alta", afirma Fátima Espírito Santo, do Departamento de Clima e Ambiente Atmosférico do Instituto de Meteorologia. Com este calor, as condições são, por um lado, precárias para um sono tranquilo e, por outro, excelentes para manter acesos os incêndios florestais. "Em termos de [combate a] fogos, estas temperaturas não ajudam muito", diz.

A previsão da meteorologia é a de que o tempo quente vai-se manter pelo menos mais dois dias, em parte do país. No Alentejo, o termómetro deverá começar a descer só na quinta-feira, caso se mantenham as previsões de ontem. Até lá, provavelmente mais dias registarão temperaturas acima dos 40 graus. Na região, há zonas, como a da Amareleja, que estão com mercúrio nesta marca há 14 dias ininterruptamente, algo que jamais acontecera no país. Elvas por pouco não divide o primeiro lugar no pódio: no dia 3 de Agosto, a máxima baixou para 39,9 graus.

Em Agosto, nunca houve temperaturas tão elevadas como agora em Lisboa (42 graus), Porto (39,5), Elvas (44,9) e Beja (45,4), segundo dados do Instituto de Meteorologia. Amareleja, mais uma vez, leva para casa mais um recorde: o da maior temperatura jamais registada em Portugal: 47,3 graus.

Os efeitos colaterais do calor estão igualmente a ultrapassar todas as marcas. Os fogos florestais caminham para isto. Até quinta-feira passada, segundo dados da Direcção-Geral das Florestas - e antes dos grandes incêndios de Nisa e Monchique dos últimos dias -, a área ardida já estava oficialmente contabilizada em pelo menos 162 mil hectares, quando o máximo até agora registado foi de 182 mil hectares, em 1991.

Ozono passou os limites 188 vezes

O calor e a forte insolação também estão a provocar episódios frequentes de poluição por ozono - um gás essencial na alta atmosfera, mas prejudicial à saúde para quem o respira. Desde 29 de Julho, os níveis de ozono ultrapassaram o "limiar de informação" nada menos do que 188 vezes, em diversos pontos do país, de acordo com dados do Instituto do Ambiente.


Acima deste limite, as autoridades são obrigadas a informar a população para que crianças, idosos e pessoas com problemas respiratórios tomem cuidados especiais, como não fazer muito esforço ou evitar sair à rua nas horas mais críticas.

É difícil dizer que esta vaga de calor é uma consequência directa das alterações climáticas, que estão a ser provocadas pelo aumento na concentração de determinados gases na atmosfera - como o dióxido de carbono expelido pelas indústrias e pelos automóveis. Mas o que se passa hoje é apenas uma antevisão amena do que poderá ocorrer no país dentro de algumas décadas.

De acordo com o projecto SIAM, que avalia as consequências das alterações climáticas em Portugal, entre 2080 e 2100, as temperaturas máximas no Verão podem aumentar até 10 graus centígrados nalgumas zonas do interior. Entre Junho e Agosto, segundo os cenários traçados, nas zonas mais quentes do Alentejo a média das temperaturas máximas poderá chegar a 38 graus. Isto significa que a vaga de calor, que agora dura duas semanas, no futuro poderá estender-se por três meses.