Melodrama anotado

Nenhum desses títulos era um grande filme, "In the Company of Men" tinha mais pose do que outra coisa, "Betty" era mais simplório do que queria e gostaria de ser, e nenhum deles anunciava Labute como cineasta especialmente promissor. Não há razão para que se mude de ideias a propósito de "Possessão", mesmo que este filme - o mais "mainstream" de todos os de Labute - se revele, por paradoxal que possa parecer, o mais interessante, e em certa medida o menos convencional.

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Nenhum desses títulos era um grande filme, "In the Company of Men" tinha mais pose do que outra coisa, "Betty" era mais simplório do que queria e gostaria de ser, e nenhum deles anunciava Labute como cineasta especialmente promissor. Não há razão para que se mude de ideias a propósito de "Possessão", mesmo que este filme - o mais "mainstream" de todos os de Labute - se revele, por paradoxal que possa parecer, o mais interessante, e em certa medida o menos convencional.

Parte da adaptação de um romance de A. S. Byatt que venceu o Booker Prize em 1990 e que é uma espécie de "ficção universitária", onde tudo anda à volta de uma investigação académica sobre o hipotético (e ocultado pela História) "affair" entre dois poetas da época vitoriana, os fictícios Randolph Henry Ash e Christabel LaMotte. A estrutura do filme preserva, como motor narrativo, essa investigação, desdobrando-se em dois tempos; acompanhamos, na época contemporânea, o trabalho da dupla de investigadores (Gwyneth Paltrow e Aaron Eckhart), e periodicamente introduz-se, em "flashback", a reconstituição do romance entre Ash e Christabel (os muito britânicos Jeremy Northam e Jennifer Ehle). Tudo isto se passa de modo francamente banal, como se fossem dois filmes "colados" um ao outro, e se se alternasse entre eles à vez - salvo erro só por uma vez Labute tenta "fundir" os dois tempos, passando da época contemporânea à época vitoriana dentro do mesmo plano.

No entanto, apesar da banalidade de cada "parcela" do filme quando vista por si própria, e mesmo da convencionalidade com que elas são articuladas, vai-se desenhando algo de estranhamente sedutor no filme. Pode-se fantasiar, e imaginar, que filme seria "Possessão" se não existissem "flashbacks" e a história entre Ash e Christabel nos aparecesse como aparece aos investigadores, envolta numa dimensão fantasmática que se desprende de poemas, cartas e relíquias avulsas. Mas apesar de serem, aparentemente, a dimensão mais fraca de "Possessão", os "flashbacks" são essenciais para que o filme adquira o seu aspecto mais interessante - por que não ver os "flashbacks" como "filme dentro do filme", projectado tanto para a dupla de investigadores como para nós, espectadores? Visto sob esse prisma, acaba por ser um espécie de melodrama em diferido, "arrefecido", um melodrama que vai contendo em permanência o seu próprio comentário, cheio de anotações em rodapé.

Ao fim e ao cabo, "Possessão", no seu melhor, pode ser visto como uma reflexão sobre o romantismo, evocando até a dificuldade que as gerações contemporâneas (personificadas pelas personagens de Patrow e Eckhart) encontram quando têm de confrontar o seu cinismo inato e "pós-freudiano" com a entrega sentimental inerente aos universos românticos e/ou melodramáticos. Ou seja, mais do que um filme sobre a impossibilidade do melodrama, é um filme sobre a estranheza do melodrama. E visto assim é de facto um filme bizarro, seguramente o mais bizarro dos filmes de Neil Labute.