Já provámos melhor confeccionado

Entendamo-nos: "O Silêncio dos Inocentes" gerou expectativas e criou imagens indissociáveis da saga de Hannibal, pelo que se justificava voltar ao início da narrativa, que Michael Mann cinematizara (ainda sem Anthony Hopkins na diabólica personagem). O resultado é surpreendente: não só aceitamos sem discussão este "remake-prequela", como jogamos com a nossa memória de "O Silêncio..." e de "Hannibal" e antevemos a personagem de Jodie Foster nos corredores da prisão que este filme parece revisitar, "antecipando".

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Entendamo-nos: "O Silêncio dos Inocentes" gerou expectativas e criou imagens indissociáveis da saga de Hannibal, pelo que se justificava voltar ao início da narrativa, que Michael Mann cinematizara (ainda sem Anthony Hopkins na diabólica personagem). O resultado é surpreendente: não só aceitamos sem discussão este "remake-prequela", como jogamos com a nossa memória de "O Silêncio..." e de "Hannibal" e antevemos a personagem de Jodie Foster nos corredores da prisão que este filme parece revisitar, "antecipando".

No entanto, o problema que se coloca prende-se com a validade de um exercício deste tipo. Que novidadades traz este "Hannibal III" (que, do ponto de vista cronológico, é o primeiro)? Em termos míticos, nenhumas; em termos dramáticos, também não: "O Silêncio" cumpria a função de cunhar o "mito", quanto a "Hannibal" trazia à matéria ficcional uma elegância supérflua e libertava a "saga" de um quase insuportável peso claustrofóbico. "Dragão Vermelho" parece funcionar como uma curiosidade para coleccionadores, uma peça para satisfazer os fervorosos de Thomas Harris, para quem o "puzzle" estava incompleto.

Destinado a fanáticos, o filme opta por uma realização eficaz, mas indistinta, próxima do telefilme de acção, a que um elenco de luxo confere o brilho. Hopkins liga o piloto automático e faz o seu Hannibal de serviço com o profissionalismo reconhecido. Emily Watson junta mais uma desgraçadinha à sua galeria de masoquistas, uma cega, embora tenha vislumbres de figura redentora e possua, diga-se, grande dignidade. Ralph Fiennes, apostado em rejeitar o "caminho fácil" para o estrelato, compõe um vilão demasiado rebuscado. Vai mais longe do que o papel parece permitir-lhe. As especulações artificiosas sobre o mundo conceptual de William Blake ajudam a criar um certo hermetismo.

A marca distintiva passa, portanto, pela figura policial encarnada por Edward Norton, muito consciente do peso da figura da sua "sucessora", a sacrossanta Clarisse/Foster, mas capaz de compor uma figura inteligente, obsessiva e dentro da pele do agente federal Graham. Na sequência fulcral, destinada a marcar o carácter ascensional do filme, o "underacting" de Norton socorre-se de uma assombrosa técnica para, numa cena de acção e violência, tudo ainda se centrar no sistema nervoso central de um actor que encarna e faz implodir uma personagem.

Este "anibalzinhho" vale, sobretudo, por esta exibição de talento e pelo prazer de observar o requinte dos detalhes na preparação do cozinhado de um prato que já provámos melhor confeccionado. Filme menor? Assumidamente um estudo, mas um estudo para um "quadro" que já existia. A maestria é industrial.