Arte de Fugir do Tempo

Respigadora de imagens, a realizadora é, também, uma observadora da arte, esse meio privilegiado de fintar da morte, de permanecer quando tudo o que constituiu a vida e a actividade do artista já não existem. "O Juízo Final" de Van der Weyden, por exemplo, é longamente observado, talvez porque o tema se liga tão bem com essa função que a arte possui. No local onde está exposto, os pormenores do quadro podem ser vistos através de um dispositivo com uma lupa. E é através da lupa, duplo da objectiva da câmara de filmar, que a realizadora nos dá a ver condenados e santos, anjos e demónios.

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Respigadora de imagens, a realizadora é, também, uma observadora da arte, esse meio privilegiado de fintar da morte, de permanecer quando tudo o que constituiu a vida e a actividade do artista já não existem. "O Juízo Final" de Van der Weyden, por exemplo, é longamente observado, talvez porque o tema se liga tão bem com essa função que a arte possui. No local onde está exposto, os pormenores do quadro podem ser vistos através de um dispositivo com uma lupa. E é através da lupa, duplo da objectiva da câmara de filmar, que a realizadora nos dá a ver condenados e santos, anjos e demónios.

E depois, para além do documentário sobre os respigadores e as respigadoras de hoje em dia, há um olhar surpreendido sobre a passagem do tempo, sobre o corpo. As imagens, obtidas atrávés de uma câmara digital, vão fixando o que testemunha a passagem do tempo: as raízes brancas dos cabelos pintados da narradora, uma pose de retrato fotográfico, mais ou menos sorridente, mas implacável na revelação da velhice e da idade. Ou as manchas das mãos, as veias salientes e as rugas, e a constatação, como ela diz, de que o seu corpo acaba por lhe aparecer como um animal estranho. O tempo que passa deixa as suas marcas, e a câmara de Agnès Varda mais não pode fazer do que as fixar antes do desaparecimento total.

Aqui, como noutras cenas do filme, o trabalho de respigar é quase um trabalho de detective. E, se algumas cenas do filme são estáticas, nestas últimas o movimento da câmara leva-nos a descobrir os segredos de cada moderno respigador, como aquele personagem que comia salsa tirada do lixo de um mercado, e que se a narradora segue até descobrir a sua profissão. O achado de uma cópia do quadro inicial num armazém de velharias decorre do mesmo processo. Mas a pintura não possui movimento, ao contrário do cinema, e este é também um filme sobre a pintura, além de ser sobre o próprio cinema... Na belíssima cena final, centrada, simétrica, composta como um quadro, estática, em que se ouve apenas a voz de Agnès Varda, mostra-se um dos objectos encontrados na rua que ela acaba por levar para casa. O objecto, que sintetiza o tema do filme, é um relógio de mesa sem ponteiros.