Tempestade

Tem uma atmosfera "hawksiana": como nos filmes de Hawks, a sombra de um passado manifesta-se sobre o presente de um grupo de homens, pescadores em crise de auto-estima, para quem ultrapassar uma tempestade é mais uma questão de orgulho do que de sobrevivência. É pena o final pretensamente elegíaco, em contradição com o pragmatismo a que a necessidade de acção tinha obrigado.

Os acontecimentos em que se baseia o argumento de "Tempestade" verificaram-se em 1991, quando uma inusitada conjunção de fenómenos metereológicos na zona costeira a norte da Florida esteve na origem de um temporal de dimensões impressionantes - na perspectiva desapaixonada de um metereologista, foi a "tempestade perfeita". O temporal deixou, como é óbvio, um rasto de destruição em toda a costa, e no mar tambem fez vítimas: uma pequena embarcação de pesca de espadarte desapareceu, engolida pela monstruosa tempestade, levando consigo para o fundo todos os seus tripulantes.

É a história desta embarcação e da sorte dos seus tripulantes que, com maiores ou menores liberdades ficcionais, o alemão Wolfgang Petersen conta em "Tempestade". Para Petersen, que centrara o seu filme anterior num avião (o "Air Force One"), o mar não é um desconhecido, pois já no princípio dos anos 80 rodara, ainda na Alemanha, "Das Boot", história de um submarino da II Guerra que lhe valeu, inclusivamente, o passaporte para Hollywood.

Petersen, que é um dos mais habilidosos cineastas de "acção" do cinema americano actual (num patamar logo a seguir ao de McTiernan e Cameron), não se sai mal da empresa. "Tempestade" possui - é a sua maior qualidade - uma respiração narrativa compassada e dirigida com algum rigor, a que não é alheia a opção de "descomprimir" a história e justificar que, no auge da tempestade, se possa abandonar a embarcação de George Clooney e dos seus companheiros e voltar a terra, para acompanhar a angústia dos salvadores e de todos os que esperam por notícias dos pescadores. Toda a primeira parte do filme é pensada com esse fim em vista: acompanha-se a descrição da pequena comunidade piscatória, expõe-se o "background" (familiar, profissional, psicológico) de cada uma das personagens, estabelecem-se os laços dramáticos que mais tarde a tempestade virá colocar em suspenso. E, pormenor curioso, nenhum desses laços envolve situações familiares "normais": aqueles pescadores são todos solitários e amargurados, veteranos de casamentos falhados que (à excepção da personagem de Mark Wahlberg) deixam muito pouco em terra.

É tambem isso que, nas cenas a bordo do barco, contribui para a criação de uma atmosfera vagamente "hawksiana", onde cumplicidades e rivalidades (há uma história com uma mulher que une, ou afasta, dois dos pescadores) vão sendo aludidas mais do que explicitadas, e onde, como em Hawks, há sempre a sombra de um passado a manifestar-se sobre o presente. Daí que, para aquele grupo de pescadores em crise de auto-estima (Clooney, o capitão, é acusado pelo armador de estar a perder o jeito), ultrapassar a tempestade seja, a princípio, mais uma questão de orgulho do que de sobrevivência, e uma maneira de recuperar a dignidade.

Este nível funciona tão bem que, apesar da competência técnica de Petersen para as cenas de acção e do brilho da equipa responsavel pelos efeitos especiais (toda a tempestade é "virtual"), ficamos um pouco decepcionados quando chega o momento da acção "pura" e todo este "background" se desvanece numa questão de simples sobrevivência.

Petersen é, como se disse, extremamente hábil, até na forma como desdobra a narrativa e segue a par e passo a "sub-intriga" do iate de turismo e do helicóptero de salvamento da Guarda Costeira - mas por alguma razão o tom torna-se mais rotineiro; rotina bem feita, mas rotina na mesma.

Petersen consegue ultrapassar essa impressão quando chega o momento decisivo e a embarcação está na iminência do afundamento. As mortes dos pescadores surgem de repente, de maneira seca e inexorável, com excepção das que estão reservadas para a dupla principal, Clooney e Wahlberg: para Clooney, o primeiro a aperceber-se do fim, um discreto recolhimento na sombra (o melhor plano do filme); para Wahlberg, uma morte na fronteira do "corny", com uma visão da namorada (Diane Lane) e uma declaração de amor eterno - mas serena, discreta, e sem prolongamentos melodramáticos artificiais.

Onde esses prolongamentos não são evitados (e quase dão cabo do filme) é no epílogo, com as cerimónias fúnebres. Provavelmente com medo de que o espectador se sentisse subitamente orfão e não tivesse nada a que se agarrar (é raro o filme que tenha coragem de matar os heróis todos), Petersen não resiste, nos últimos minutos, a arrastar "Tempestade" para um "tearjerker" pretensamente elegíaco e completamente escusado, em contradição com o pragmatismo e a ausência de sentimentalismo a que a necessidade de acção tinha obrigado durante todo o filme.

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Tem uma atmosfera "hawksiana": como nos filmes de Hawks, a sombra de um passado manifesta-se sobre o presente de um grupo de homens, pescadores em crise de auto-estima, para quem ultrapassar uma tempestade é mais uma questão de orgulho do que de sobrevivência. É pena o final pretensamente elegíaco, em contradição com o pragmatismo a que a necessidade de acção tinha obrigado.

Os acontecimentos em que se baseia o argumento de "Tempestade" verificaram-se em 1991, quando uma inusitada conjunção de fenómenos metereológicos na zona costeira a norte da Florida esteve na origem de um temporal de dimensões impressionantes - na perspectiva desapaixonada de um metereologista, foi a "tempestade perfeita". O temporal deixou, como é óbvio, um rasto de destruição em toda a costa, e no mar tambem fez vítimas: uma pequena embarcação de pesca de espadarte desapareceu, engolida pela monstruosa tempestade, levando consigo para o fundo todos os seus tripulantes.

É a história desta embarcação e da sorte dos seus tripulantes que, com maiores ou menores liberdades ficcionais, o alemão Wolfgang Petersen conta em "Tempestade". Para Petersen, que centrara o seu filme anterior num avião (o "Air Force One"), o mar não é um desconhecido, pois já no princípio dos anos 80 rodara, ainda na Alemanha, "Das Boot", história de um submarino da II Guerra que lhe valeu, inclusivamente, o passaporte para Hollywood.

Petersen, que é um dos mais habilidosos cineastas de "acção" do cinema americano actual (num patamar logo a seguir ao de McTiernan e Cameron), não se sai mal da empresa. "Tempestade" possui - é a sua maior qualidade - uma respiração narrativa compassada e dirigida com algum rigor, a que não é alheia a opção de "descomprimir" a história e justificar que, no auge da tempestade, se possa abandonar a embarcação de George Clooney e dos seus companheiros e voltar a terra, para acompanhar a angústia dos salvadores e de todos os que esperam por notícias dos pescadores. Toda a primeira parte do filme é pensada com esse fim em vista: acompanha-se a descrição da pequena comunidade piscatória, expõe-se o "background" (familiar, profissional, psicológico) de cada uma das personagens, estabelecem-se os laços dramáticos que mais tarde a tempestade virá colocar em suspenso. E, pormenor curioso, nenhum desses laços envolve situações familiares "normais": aqueles pescadores são todos solitários e amargurados, veteranos de casamentos falhados que (à excepção da personagem de Mark Wahlberg) deixam muito pouco em terra.

É tambem isso que, nas cenas a bordo do barco, contribui para a criação de uma atmosfera vagamente "hawksiana", onde cumplicidades e rivalidades (há uma história com uma mulher que une, ou afasta, dois dos pescadores) vão sendo aludidas mais do que explicitadas, e onde, como em Hawks, há sempre a sombra de um passado a manifestar-se sobre o presente. Daí que, para aquele grupo de pescadores em crise de auto-estima (Clooney, o capitão, é acusado pelo armador de estar a perder o jeito), ultrapassar a tempestade seja, a princípio, mais uma questão de orgulho do que de sobrevivência, e uma maneira de recuperar a dignidade.

Este nível funciona tão bem que, apesar da competência técnica de Petersen para as cenas de acção e do brilho da equipa responsavel pelos efeitos especiais (toda a tempestade é "virtual"), ficamos um pouco decepcionados quando chega o momento da acção "pura" e todo este "background" se desvanece numa questão de simples sobrevivência.

Petersen é, como se disse, extremamente hábil, até na forma como desdobra a narrativa e segue a par e passo a "sub-intriga" do iate de turismo e do helicóptero de salvamento da Guarda Costeira - mas por alguma razão o tom torna-se mais rotineiro; rotina bem feita, mas rotina na mesma.

Petersen consegue ultrapassar essa impressão quando chega o momento decisivo e a embarcação está na iminência do afundamento. As mortes dos pescadores surgem de repente, de maneira seca e inexorável, com excepção das que estão reservadas para a dupla principal, Clooney e Wahlberg: para Clooney, o primeiro a aperceber-se do fim, um discreto recolhimento na sombra (o melhor plano do filme); para Wahlberg, uma morte na fronteira do "corny", com uma visão da namorada (Diane Lane) e uma declaração de amor eterno - mas serena, discreta, e sem prolongamentos melodramáticos artificiais.

Onde esses prolongamentos não são evitados (e quase dão cabo do filme) é no epílogo, com as cerimónias fúnebres. Provavelmente com medo de que o espectador se sentisse subitamente orfão e não tivesse nada a que se agarrar (é raro o filme que tenha coragem de matar os heróis todos), Petersen não resiste, nos últimos minutos, a arrastar "Tempestade" para um "tearjerker" pretensamente elegíaco e completamente escusado, em contradição com o pragmatismo e a ausência de sentimentalismo a que a necessidade de acção tinha obrigado durante todo o filme.