Os novos desafios do mutualismo

O mutualismo pode ser definido como uma corrente ideológica, de solidariedade profunda.

Corresponde a uma prática de cerca de 200 anos o mutualismo em Portugal na sua versão puramente institucional. Consubstanciada nas múltiplas e diferentes associações de socorros mútuos – algumas centenas – que durante esse lapso de tempo nasceram, morreram e sobreviveram no nosso país, esta prática parece hoje vocacionada para responder a novos e inesperados desafios, disruptivos com paradigmas até agora existentes, consagrados nos novos e complexos modos de vida a que a sociedade vai sujeitando os cidadãos.

Actualmente estão registadas cerca de uma centena de associações de socorros mútuos – e dizemos “cerca” porque uma parte das mesmas apenas existe in nomine, não se sabendo, exactamente, quantas têm ainda vida activa.

Passível de várias leituras, a evolução recente do mutualismo português não reflecte, afinal, mais do que o reflexo de um conjunto de circunstâncias que cercearam a expansão deste tipo de associativismo livre, que se pauta pelos princípios da democraticidade, da liberdade, da independência e da solidariedade.

Durante mais de cinco décadas de vigência do Estado Novo, as associações mutualistas, como todas as outras associações livres, sofreram um apertado controlo e muita vigilância sobre o seu funcionamento. Daí que, durante aquele período, as nossas associações mutualistas tenham sido forçadas a fusionar-se ou simplesmente a extinguir-se.

No entanto, após a ditadura e já em pleno período democrático, alguns novos associados, ainda que não tantos como seria desejável, deram ao crescimento de associativismo mutualista um músculo que cumpriu com as expectativas mais optimistas.

As associações de socorros mútuos portuguesas são, assim, hoje possuidoras de um inestimável património, quer a nível físico – muitas funcionam em edifícios próprios – quer no respeitante às prestações de cariz social e culturais incluídas nos seus esquemas.

Na área do social, as associações concedem aos seus associados pensões de reforma e de sobrevivência independentes das pensões atribuídas pelo Estado.

Por outro lado, à margem da assistência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), as associações mutualistas continuam a garantir aos seus associados e familiares cuidados de saúde em serviços próprios, quase sempre exemplares, serviços que funcionam também em regime de complementaridade para os beneficiários do SNS, através de acordos ou convenções estabelecidos com as Administrações Regionais de Saúde.

A mutualidade é um dos movimentos sociais europeus mais antigos – as suas origens remontam à Idade Média. Apoiando-se num princípio de responsabilidade colectiva privada, sem fins lucrativos, a técnica de socorro mútuo supõe uma comunhão de riscos a que os membros de um grupo estão sujeitos.

No socorro mútuo, as prestações garantidas pelo fundo comum resultam de quotizações uniformes dos associados.

O mutualismo pode, assim, ser definido como uma corrente ideológica, de solidariedade profunda, cujos princípios assentam na reciprocidade dos serviços e na entreajuda, e  através de contribuição ou quotas, de modo a permitir, de forma previdente, acautelar o futuro próprio ou dos seus associados e familiares através de retribuições de benefícios pecuniários ou de assistência.

Os seus princípios ideológicos-base são:

Democraticidade – Um homem, um voto;

Liberdade – De adesão e de admissão;

Independência – De todo o poder;

Solidariedade – Entreajuda voluntária;

Responsabilização – Gestão democrática.

É neste contexto que surgiu e se impôs a importância da RedeMut, projecto histórico para o mutualismo, que promove os valores da Liberdade, Igualdade, Democracia, Responsabilidade e Solidariedade, e que dá resposta às necessidades e aos anseios dos nossos associados, num espírito de reciprocidade e numa prática de partilha. Este projecto é portador de duas propriedades fundamentais que definem a economia social e solidária:

a) A promoção da reciprocidade como princípio de organização económica;

b) A criação de espaços de proximidade movidos por valores solidários.

A RedeMut é um projecto que liga neste momento, em rede, catorze mutualidades de todo o país e que congrega já mais de 700 mil associados. Os actuais membros da RedeMut, que visa facultar aos associados de cada mutualidade aderente a utilização de serviços e equipamentos de saúde e de bem-estar existentes nas demais mutualidades mesmo fora da sua zona de residência, estão sediados em Porto, Gaia, Coimbra, Torres Novas, Abrantes, Lisboa, Moita, Montijo, Silves, Lagos e Ponta Delgada.

Não há uma SOLIDARIEDADE, mas múltiplas formas de solidariedade que vinculam os mesmos indivíduos a variados grupos e os tornam multiplamente interdependentes de outros.

Mas, para além deste movimento que alarga o âmbito das solidariedades, fazendo-as saltar fronteiras, importa analisar o que se passa ao nível das solidariedades que sendo mais restritas nem por isso são menos representativas de uma nova forma de encarar o papel que cada indivíduo desempenha nos vários contextos sociais em que se insere.

Solidariedades que ligam os indivíduos em função de interesses que lhes estão muito próximos e de sentimentos de pertença imediatamente perceptíveis.

Exemplo dessas formas de solidariedade que se baseiam, afinal, numa quase certeza de reciprocidade é o da solidariedade mutualista.

Presidente da RedeMut

 

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