Medicamentos inovadores, polémicas e demagogias

Há uma dicotomia implícita entre posições de estados membros produtores de medicamentos e estados dependentes de importações

Os preços dos medicamentos na União Europeia (UE) têm vindo, desde 1994, a aproximar-se, nomeadamente entre os mais importantes sistemas de saúde: Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Espanha. Porém, mantêm-se as questões mais complexas de serem ultrapassadas em reflexo das diferenças nas políticas de financiamento do medicamento que, em sistemas como a Alemanha, França e Reino Unido têm estado articuladas com políticas de apoio à inovação das suas próprias indústrias farmacêuticas nacionais e numa perspectiva global. Este processo tem sido menos dinâmico em sistemas onde a indústria farmacêutica nacional não tem grande tradição ou competitividade.

No debate sobre a política do medicamento na União Europeia, que tenho acompanhado em diversos contextos profissionais, identifica-se uma dicotomia implícita entre posições de estados membros produtores de medicamentos e estados dependentes de importações. Recentemente, começamos a vislumbrar o surgimento de um terceiro tipo de estados europeus, como a Dinamarca que, em dez anos, equilibrou parte da sua dependência ao tornar-se num produtor de genéricos, inicialmente para consumo nacional, e mais recentemente também um exportador de medicamentos genéricos.

Na criação da política de preço de mercado de um novo medicamento, incluem-se, entre outros, factores como a eficácia clínica em comparação com opções existentes, o custo de desenvolvimento e produção, a qualidade dos serviços e canais de distribuição (sobretudo a capacidade de segurança do medicamento na rede nacional de farmácias), o valor criado para a marca e a eventual grandeza da oportunidade de mercado, nomeadamente, atendendo ao nível de potencial concorrência. No caso de novas patentes, estes dois últimos factores exercem grande influência sob o estabelecimento do preço, na perspectiva do laboratório. Ainda assim, toda a literatura internacional de marketing farmacêutico, indica que o preço inicial elevado tende a reduzir-se substancialmente a partir dos primeiros 12 meses de introdução no mercado. Que dizer, então, sobre a recente proposta para que a UE possa indexar ao PIB o preço de um medicamento para a hepatite C?

No contexto internacional é importante que em Portugal tenhamos noção de que, em Março de 2014, o Fórum de Avaliação de Tecnologias da Saúde da Califórnia definiu esse mesmo medicamento como “um medicamento de baixo valor clínico em comparação com soluções mais antigas”. A polémica internacional associada ao preço deste, em fóruns técnicos e revistas científicas internacionais, tem evoluído desde então e promete continuar sob três perguntas essenciais: há justificação clínica? há justificação económica? há justificação social? há justificação moral? Estas perspectivas, com argumentos mais ou menos baseados em evidências, reacendem um recorrente dilema da indústria farmacêutica. Não é a primeira vez, nem será a última, que observaremos tal situação com tem sido o caso, por exemplo, com medicamentos inovadores para tratar cancros, VIH ou dependências de estupefacientes.

O que é diferente em Portugal, nesta altura? O aproveitamento político que o ministro da Saúde quer fazer do caso. Ao transformar uma proposta técnica em acção política nacional, o ministro parece não ter ponderado três fenómenos políticos europeus. Primeiro, o impasse europeu, que dura faz duas décadas, no que diz respeito á harmonização de preços de medicamentos na UE. Segundo, a incoerência de diminuir a relevância da responsabilidade social dos laboratórios, que levou anos a construir com pressão social internacional intensa, e que resultou na ideia simplista de justiça económica em que países ricos pagam mais que países pobres por terapêuticas que salvam vidas (sendo que Portugal, faz parte do clube de países ricos que é a UE). Terceiro, que em poucos meses haverá a quebra habitual no preço inicial de introdução no mercado do medicamento na UE.

Porém, como demagogia política no burgo, o ministro marca pontos.

Director do International Journal of Healthcare Management, Londres

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