Ir para a Polónia pode ser um “reinício” para crianças que perderam pais no Cabo da Roca

Avós terão apanhado avião de Varsóvia no domingo para levarem os meninos o mais depressa possível para a Polónia.

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Acidente aconteceu no Cabo da Roca no sábado Bruno Simões Castanheira

Estavam ao pé dos pais quando estes não sobreviveram à queda de uma falésia no Cabo da Roca, em Sintra. Tudo indica que as crianças, com cinco e seis anos, viram o acidente que aconteceu no sábado, quando o casal polaco tirava fotografias no ponto mais ocidental da Europa continental. A família vivia em Lisboa, mas agora os menores vão juntar-se “o mais brevemente possível” aos familiares na Polónia. Apesar de considerar que perder os pais nestas circunstâncias “é altamente traumático, uma coisa brutal”, o pediatra Mário Cordeiro defende que “a mudança total pode funcionar como um reinício” para estes meninos.

“Não têm de ser coisas más a somar a más. As mudanças, depois de um acontecimento traumático, podem ser positivas, estímulos. Pode ser uma fase de redenção. A mudança total pode funcionar como um reinício. Irem de repente para outro contexto, com enquadramento afectivo, mas sem hiperprotecção, sem serem tratados como coitadinhos, pode servir para se sentirem melhor. Ficar nos mesmos sítios pode ser penoso”, explica o pediatra e professor de Saúde Pública na Faculdade de Ciência Médicas da Universidade Nova, que tem como área de interesse a psicologia e o comportamento das crianças.

Depois do acidente, as crianças foram para uma “instituição especializada”, sob “supervisão” da embaixada da República da Polónia em Lisboa, e tiveram apoio psicológico. A consulesa Monika Dulian já explicou que os meninos vão viver para a Polónia e ficar aos “cuidados” da família mais próxima, que foi de imediato contactada. Disse ainda que “a futura morada dos meninos” é uma decisão “autónoma da família” e que a embaixada está a fazer tudo para que o processo de os “juntar” à família seja o “mais breve possível”. “Estamos a trabalhar com os tribunais de família da Polónia e de Portugal”, garante.

Segundo o presidente da Câmara de Sintra, Basílio Horta, os avós foram logo contactados: “Saíram da Polónia no domingo, apanharam o avião em Varsóvia. Já devem estar em Lisboa. E os meninos devem partir imediatamente com eles.”

Sobre os pais, conta que eram um casal que vivia há cinco anos em Lisboa. Estavam “instalados em Portugal”, a morar numa casa em Belém. Ele, adianta, estaria a fazer um mestrado em Engenharia. O casal, diz, trabalhava na organização de eventos e teria montado um serviço turístico para polacos.  

O autarca lamenta o sucedido, mas garante que a zona está bem sinalizada: “As pessoas facilitam, porque há uma grande distância entre as barreiras de segurança e o início do precipício. Mas é de propósito, porque há perigo de derrocada. E existe sinalética a dizer que há perigo de derrocada. As pessoas ultrapassam permanentemente as barreiras, mas há um perigo enorme. Não é o primeiro caso de morte e não é só atrás do farol [onde aconteceu o acidente], é em toda a zona envolvente. É preciso ter um cuidado enorme. Há um risco grande”, alerta, frisando que o casal polaco, que iria aproveitar as férias passar também uns dias à Polónia, conhecia o local.

Medo e culpa
Apesar de depender das vivências de cada um, Mário Cordeiro diz que é com a idade destas crianças que se começa a ter “noção da morte concreta”: “Antes disso têm noção da finitude da vida, mas só por volta dos cinco, seis anos é que começam a ter noção da irreversibilidade, de que as pessoas não voltam”, explica o pediatra - para quem, no entanto, neste caso há uma evidente “perda da inocência”. Sobre as consequências a nível psicológico, Mário Cordeiro refere a “sensação de perda e abandono”, o “medo que aconteça o mesmo” às pessoas que ficarem a tomar conta deles e o “medo do dia-a-dia”, de coisas triviais como “atravessar a rua”.

Também podem desenvolver “complexos de culpa”: “Por achar que se estava a mexer ou a brincar com o irmão no momento em que aquilo aconteceu. As crianças culpabilizam-se muito, têm uma perspectiva muito centrada em si próprias. Dizem muitas vezes: ‘Não fui eu que fiz’”.

Apesar de ressalvar não conhecer o caso, Mário Cordeiro defende que a decisão de irem para a Polónia viver com os familiares é, do ponto de vista do bem-estar psicológico das crianças, a mais acertada: “Devem ficar com pessoas que as amem. Com a família estão melhor, afectivamente. Claro que se forem familiares estranhos [com quem não tenham relação] não será tão fácil”, admite. Incontornável é começarem a “fazer uma psicoterapia desde cedo”, para aprenderem “a viver com a perda, a ausência, a saudade” e com a “falta de explicação” para o sucedido. Apesar de depender sempre de cada um, do acompanhamento psicológico e do enquadramento familiar, o processo que estes miúdos têm pela frente é longo: “Ultrapassar um trauma destes pode demorar anos”, diz Mário Cordeiro.

A Polícia Judiciária está a investigar o caso e, para já, não há indícios de crime. Tudo aponta para acidente: os pais terão passado a barreira de segurança do local e estariam a tirar fotografias, quando caíram. Foi um casal espanhol que ouviu gritos e deu o alerta.

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