Governo da Madeira só pediu ajuda quando o vento mudou

Presidente da República esteve na Madeira, onde visitou nesta quarta-feira as zonas mais afectadas. Os próximos dias prometem ser mais calmos, mas a população desconfia. Pelo menos 150 habitações destruídas.

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Vista aérea da destruição Paulo Vasconcelos Freitas
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Durante o combate ao incêndio e no rescaldo das zonas mais afectadas na capital madeirense, uma das perguntas que mais se ouviram foi: “Como foi possível o incêndio chegar ao centro do Funchal?” A oposição a Miguel Albuquerque acusou o presidente do governo regional de ter tardado a reagir e este respondeu nesta quarta-feira, insistindo que a situação na ilha estava “complicada, mas não catastrófica”. E que foi por considerar que o incêndio estava “controlado” que só fez o pedido de ajuda ao primeiro-ministro, António Costa, por telefone, depois de o vento ter mudado e de a situação se ter agravado. Já passava das 18h de terça-feira.

Fonte oficial do Ministério da Administração Interna disse ao PÚBLICO que ao longo do dia Miguel Albuquerque foi, de facto, comunicando ao continente que a situação estava controlada. "Mas a partir das 18h acontece um fenómeno meteorológico, que não estava previsto, com a entrada de ventos de leste. O primeiro-ministro estava com o comandante na Protecção Civil e foi aí que recebeu o telefonema do presidente do governo regional", acrescentou a mesma fonte.

A questão do tempo de reacção do social-democrata Miguel Albuquerque começou por ser levantada por Edgar Silva, o ex-candidato à Presidência da República apoiado pelo PCP. Edgar Silva contou à comunicação social que teve de sair de casa para fugir às chamas.

Na conferência de imprensa que deu nesta quarta-feira à tarde, o presidente do governo regional defendeu a necessidade de não se criar "uma situação de culto do alarmismo”. “A Madeira é uma terra turística e é necessário manter alguma serenidade", reforçou Miguel Albuquerque, insistindo que o arquipélago precisa de voltar a uma situação de "normalidade".

Para já, nem o Presidente da República nem o primeiro-ministro colocaram a tónica da discussão nas responsabilidades políticas, mas sim na necessidade de actuar ao nível da prevenção dos incêndios. Nos últimos dias, os dois responsáveis concertaram posições por telefone e decidiram viajar ambos para a Madeira. Marcelo Rebelo de Sousa visitou as zonas mais afectadas ao final da tarde de quarta-feira e Costa deve chegar nesta quinta-feira.

“Catástrofe natural”

Ao final da noite desta quarta-feira, depois de três dias em que os incêndios devastaram a cidade e vários pontos da ilha, a secretária regional da Inclusão e dos Assuntos Sociais, Rubina Leal, já falava em “catástrofe natural”. As temperaturas elevadas que não se sentiam desde 1976, a humidade reduzida (10%) e as rajadas de vento próximas dos 100 quilómetros por hora explicam, no entender de Rubina Leal, a dimensão da tragédia.

Nas contas do executivo madeirense, três mortos, dois feridos graves, mais de 170 feridos ligeiros, perto de mil deslocados e pelo menos 150 habitações destruídas quantificam este Agosto infernal, numa altura em que três incêndios continuavam bem activos no arquipélago.

Os próximos dias prometem ser mais calmos. A temperatura deverá diminuir, e as previsões apontam para um aumento da humidade e redução da velocidade do vento. Mas a população desconfia. O pior também já tinha passado na segunda-feira, e a madrugada foi de terror. O pior já tinha passado na tarde de terça-feira, e o fogo cresceu e invadiu as ruas e ruelas da baixa da cidade. Uma igreja, das primeiras construídas na ilha, foi atingida. Prédios classificados são agora esqueletos negros. Por toda a cidade o cheiro a queimado paira no ar. Cola-se à roupa, à pele. A neblina escura continua a pintar o céu cor de fogo.

A cidade parece um cenário de guerra. Vista da baía, onde milhares e milhares de pessoas se refugiram durante a noite e madrugada para fugirem às chamas e ao fumo, ainda se vislumbram colunas cinzentas. Ouvem-se sirenes de emergência. Contam-se, pelas ruas, os olhares de espanto. São poucos, porque o governo deu folga aos funcionários públicos que não estão directamente envolvidos nos combates aos incêndios.

Nem a baixa do Funchal foi poupada. O centro da capital madeirense sempre foi um lugar seguro. Mesmo quando os incêndios devastavam as zonas altas, ou quando as ribeiras galgavam as margens e levavam tudo à frente, à baixa chegava apenas fumo das casas e floresta queimadas ou o mar de lama e rocha dos aluviões. Foi assim nos incêndios de Agosto de 2013. Foi assim no temporal de Fevereiro de 2010. Não foi assim, este ano.

O fogo avançou devagar

Os incêndios começaram devagarinho, na tarde de segunda-feira, numa das freguesias limítrofes da cidade. Em São Roque, junto à floresta que desce pela cidade como dedos de uma mão, foi avistada a primeira coluna de fumo. Estreita, quase inocente e inofensiva. Mas o tempo quente e seco — o arquipélago está a ser influenciado por uma corrente do Norte de África — e o vento forte, que ora sopra para Sul, ora para Norte, pegou essas chamas no colo, e atirou-as ao ar.

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Quando reforços enviados por Lisboa — mais de uma centena de bombeiros e elementos da GNR — e pelos Açores (outros 20) chegaram, já muito (tanto) tinha sido destruído, e a uma velocidade que ninguém imaginava.

No sítio da Achada, na zona baixa da cidade, quando o fogo chegou Carina Silva estava a jantar na casa dos pais. Antes, tinha subido ao terraço, para filmar com o telemóvel as chamas que ardiam longe, um pouco por todo o Funchal. “Pensamos sempre que estas coisas só acontecem na casa dos outros, não é verdade?”, pergunta a mulher de 32 anos, como se tentasse assim justificar a decisão de ter ficado ali.

Desceu, sentou-se à mesa para jantar. Mal tinha tocado no prato quando uma vizinha batia à porta, aflita. “As chamas estão a chegar.” Carina agarrou no filho de três anos, gritou para o marido. Apressou o pai e a mãe, que teimava em levantar a mesa do jantar, chamou uma tia que também lá estava e fugiram em direcção ao carro.

Foi uma loucura. Havia chamas em volta. Choviam faúlhas incandescentes, e enquanto desciam a rua apertada — no Funchal antigo, todas as ruas são apertadas —, por entre populares agarrados a mangueiras, viam as labaredas pelo retrovisor do carro. “Nunca imaginei viver nada assim”, desabafa ao PÚBLICO. Nunca ninguém imaginou.

Para já, depois dos danos, das vidas perdidas, as preocupações são para o turismo, o ganha-pão do arquipélago. Dois hotéis tiveram que ser evacuados na noite de terça-feira. Um deles, o Choupana Hills, um cinco estrelas de luxo, que tinha saído com sucesso de um Plano Especial de Revitalização, foi completamente consumido pelo fogo.

Os turistas foram alojados no Estádio dos Barreiros, transformado em campo de refugiados improvisado. Com filas de camas de campanha alinhadas, e turistas confusos, agarrados ao telemóvel, ali à volta. Os madeirenses, largas centenas deles, que tiveram que fugir das chamas, foram levados para um quartel do Exército. No RG3 estão a receber acompanhamento médico e psicológico. Têm recebido também alimentos, que, mesmo antes de o governo pedir a solidariedade da população, já estavam a chegar pelas mãos de quem não conseguiu ficar indiferente à tragédia que se abateu sobre a cidade. Chegaram a ser mais de 600 pessoas, mas no final do dia eram 400 as que estavam ali, à espera de voltar não sabem bem quando, nem para onde.

Lento regresso à normalidade

No terreno, e depois de uma noite e madrugada que fez as primeiras vítimas mortais, encontradas carbonizadas em duas habitações próximas do centro da cidade, a situação estava aparentemente mais calma. Existem ainda algumas frentes, que ameaçam casas e bens, mas nada que se compare ao inferno dos últimos dias.

As principais preocupações são agora para a Oeste da capital, no concelho da Calheta, onde o fogo andou também violento durante estes dias. As chamas passaram também por outros quatro concelhos — Ribeira Brava, Câmara de Lobos, Santa Cruz e Ponta do Sol —, todos na costa Sul da ilha, que Albuquerque quer que volte rapidamente ao normal.

Os incêndios não pouparam ninguém, ou quase ninguém. O ex-candidato presidencial do PCP, Edgar Silva, teve que fugir de casa com a família. Refugiu-se junto ao mar e, entre o desespero, criticava a forma como o governo madeirense estava a lidar com a catástrofe. O correspondente da TVI na Madeira, Mário Gouveia, depois de 48 horas a cobrir os acontecimentos, também teve que correr para casa. Trocou o microfone por uma mangueira, e enfrentou as chamas. Conseguiu.

Há fortes suspeitas de mão criminosa. Um jovem de 23 anos, detido logo na segunda-feira, foi ouvido nesta quarta-feira em tribunal. Tem já antecedentes criminais por fogo florestal. Vai ficar em prisão preventiva.

A casa dos pais de Carina salvou-se. Voltou lá esta manhã com o coração nas mãos. Encontrou um rasto de destruição. Vizinhos que ficaram sem tecto, mas a moradia onde cresceu mantinha-se de pé. Nem todos tiveram a mesma sorte.

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