Fornecedor do fármaco da hepatite C garante que está a cumprir “todas as etapas legais"

Hospital de S. João denunciou “farmacêutica hostil” que terá pedido 97 mil euros por medicamento inovador para hepatite C

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Programa para o tratamento da hepatite C foi anunciado pelo ministro da Saúde a 6 de Fevereiro

A farmacêutica norte-americana Gilead defende que "tem seguido todos os procedimentos legalmente estabelecidos, discutindo as condições de comparticipação em sede própria, junto do Ministério da Saúde" para fixar o preço do novo tratamento para hepatite C. A garantia da empresa surge na sequência de um comunicado do presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de São João, no Porto, que denunciava que a farmacêutica norte-americana Gilead Sciences fixou para este hospital o preço do medicamento inovador para a hepatite C em 97.620 euros por cada doente, um valor que mesmo assim ficou abaixo dos 111.996 propostos inicialmente.

António Ferreira adiantou que a encomenda será feita para os doentes que necessitam, mas apelidou o laboratório de “fornecedor hostil” e anunciou que vai levar o caso a várias entidades, nomeadamente à Provedoria de Justiça e à Entidade Reguladora da SaúdeSegundo a adminstração do Centro Hospitalar de São João, a Gilead foi contactada para acordar um preço depois da unidade hospitalar ter recebido autorização da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) para “iniciar tratamento de quatro doentes com hepatite C com a associação dos novos medicamentos antivirais. A  farmacêutica, segundo o hospital, “manifestou-se inflexível, fixando o preço do fornecimento, inicialmente, em 111.996 euros por doente tratado (ou seja, 18.666 euros por embalagem equivalente a um mês de tratamento)”. Um contacto telefónico posterior permitiu baixar o preço global para 97.620 euros (16.270 por embalagem).

Numa resposta escrita enviada ao PÚBLICO, a Gilead diz reconhecer “a urgência do acesso ao novo tratamento para a hepatite C” e adianta que “está a trabalhar com as autoridades de saúde em todo o mundo de forma a tornar o medicamento para a hepatite C acessível ao maior número de pessoas”. “Em Portugal, a Gilead tem estado a seguir todas as etapas do processo oficial, legalmente estabelecido, ou seja, discussão da comparticipação junto do Ministério da Saúde”, adianta o comunicado enviado ao PÚBLICO que nota ainda que “a comparticipação dos medicamentos em Portugal é decidida a nível nacional através do Ministério da Saúde e não de forma individual com os hospitais”.

Proposta com efeitos retroactivos

Segundo esclarece, foi apresentada uma proposta revista ao Ministério da Saúde, oferecendo um preço substancialmente abaixo para o SNS, a 23 de Outubro de 2014. “Esta proposta tem em conta o peso da doença em Portugal, a gravidade dos doentes, assim como as restrições económicas do país, de forma a proporcionar um preço que seja sustentável para o SNS”, acrescenta a farmacêutica.

“Entretanto, a Gilead já propôs ao Ministério Saúde que estas condições sejam aplicadas aos hospitais com retroactividade a Janeiro de 2014. Isto significa que com a assinatura do contrato de comparticipação a empresa devolveria, à data de hoje, cerca de 500 mil euros aos hospitais”, nota a empresa norte-americana que reafirma ainda estar “empenhada em completar o processo de comparticipação de forma mais célere possível, em conjunto com o Ministério da Saúde, de forma a garantir o acesso ao Sofosbuvir aos doentes, como já foi feito com os governos um pouco por toda a Europa: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Escócia, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Noruega, Suíça, Suécia e Reino Unido”.

Por fim, a Gilead faz questão de lembrar que “contribuiu com aproximadamente 36 milhões de euros nos últimos 3 anos ao abrigo dos acordos entre a Indústria Farmacêutica e os Ministérios da Saúde, da Economia e Finanças”. “Em 2014, esta contribuição é de aproximadamente 17,7 milhões de euros, valor este que é superior ao impacto financeiro estimado no processo de comparticipação do Sofosbuvir”, conclui.

Porém, na resposta enviada ao PÚBLICO, a Gilead não respondeu às questões relacionadas com os valores apresentados pelo S. João. Até agora o valor que tem vindo a ser divulgado, e que já foi considerado “imoral” pelo Infarmed e pelo ministro da Saúde, é de 48 mil euros por doente – um preço, ainda assim, muito abaixo do referido pelo S. João. O tratamento pode variar de 12 a 24 semanas e o preço divulgado pelo centro hospitalar corresponde à duração máxima. Para 12 semanas, com o valor de 16.270 euros, o preço final seria de 48.810 euros, mais próximo do que vem sendo repetido.

Infarmed aprovou 49 pedidos desde Setembro

A informação surge na mesma semana em que o Infarmed avançou ao PÚBLICO que autorizou, desde Setembro, 49 pedidos para tratar com fármacos inovadores os doentes com hepatite C em risco de evoluírem para uma situação mais grave, como cirrose ou cancro do fígado. Há ainda 32 que estão em processo de avaliação para poderem ter acesso ao fármaco e quatro que foram indeferidos no âmbito das chamadas autorizações excepcionais, solicitadas pelos hospitais enquanto o medicamento não é aprovado para todos os doentes que reúnam os critérios necessários.

As autorizações foram dadas na sequência de um plano transitório que o Infarmed definiu em Setembro para poder tratar com o sofosbuvir, até Dezembro, os 100 a 150 portugueses que se prevê que durante o próximo ano possam estar em risco de vida na sequência do agravamento da infecção pelo vírus. Em 2015 a ideia é chegar a mais de 1000 pessoas. O plano destina-se apenas aos casos mais urgentes, enquanto o regulador do medicamento negoceia com a indústria farmacêutica um preço que o Serviço Nacional de Saúde consiga pagar. Ao todo, de acordo com os dados do Infarmed, há mais de 13 mil doentes com hepatite C registados nos hospitais e que serão divididos em grupos, consoante a fase da doença e o tipo de tratamento de que precisam.

Em reacção à denúncia do S. João, o ministro da Saúde também usou a palavra “hostil” para descrever o caso. "Eu acho hostil é terem pedido 400 mil euros para tratar 4 doentes e que reparem, o S. João disse que sim", afirmou Paulo Macedo, citado pela Lusa, à margem de uma cerimónia no Porto, reforçando que é preciso pensar nos “reflexos para o resto do sistema” destes preços praticados pela indústria.

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