Oposição acusa maioria de “terrorismo moral sobre as mulheres”

Propostas de alteração à lei do aborto serão aprovadas pela maioria. Acompanhamento psicológico obrigatório, pagamento de taxas moderadoras e médicos objectores de consciência deixam de estar afastados das consultas.

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Os dados sobre o aborto têm vindo a perder a transparência Paulo Pimenta (arquivo)

A discussão foi “excessiva”, foi acesa. O próprio presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais da Assembleia da República, onde o texto de substituição com alterações à lei do aborto foi discutido nesta sexta-feira, Fernando Negrão, o reconheceu. Toda a oposição criticou duramente as mudanças que a maioria do PSD-CDS-PP defende e que aprovou na especialidade. Agora, vão a votação em plenário.

Em causa estão alterações como passar a ser obrigatório a mulher ter acompanhamento psicológico e de um técnico social quando decide interromper a gravidez. Outra das mudanças passa pela introdução de taxas moderadores na interrupção voluntária da gravidez. E os  médicos objectores de consciência deixam de estar excluídos das consultas, havendo mais reserva sobre a informação relativa a essa objecção.

A deputada socialista Isabel Moreira citou inúmeros pareceres de especialistas e organizações que estão no terreno e que condenam as alterações que deverão ser aprovadas em plenário. A parlamentar fala em “terrorismo moral sobre as mulheres” e entende que fica posta em causa a liberdade das mulheres decidirem.

Para a deputada do BE Helena Pinto, toda esta discussão está ferida, à partida, de um problema: aceitar-se ou não que houve um referendo e uma lei aprovadas em Assembleia da República sobre a interrupção voluntária da gravidez, em relação à qual se quer agora “retroceder”. “Que parte é que os senhores não compreenderam sobre a pergunta que foi feita aos portugueses?”, questionou aos deputados do PSD e CDS-PP, defendendo que as alterações introduzidas vão no sentido contrário ao espírito do referendo e da lei actual.

Também esta deputada não entende por que razão tem uma mulher, que toma uma decisão, de ter “obrigatoriamente” acompanhamento psicológico e de um técnico social. “As mulheres até às 10 semanas não têm de justificar a opção de interromper uma gravidez, não têm, ponto final parágrafo”, sustentou.

"Retrocesso"
Toda a oposição falou a uma só voz neste aspecto: a aprovação da lei com estas alterações representa um “retrocesso”. “Há aqui uma necessidade de culpar e de castigar aquelas mulheres e com isso nunca poderemos compactuar”, disse Helena Pinto. E acrescentou: “Qual é a parte da autonomia e da liberdade de decisão que os senhores não entendem?”. A bloquista avisou ainda: “Vamos ver qual é a avaliação que as mulheres deste país vão fazer.”

O deputado comunista António Filipe alertou ainda para a altura em que se está a proceder a estas alterações, em final de legislatura, “de forma a que a opinião pública não tenha tempo de perceber o que está aqui em causa” e para a maioria se conseguir “poupar aos eventuais custos destas opções”. Ainda assim, António Filipe está convicto de que “os portugueses não deixarão de retirar ilações” deste processo.

A maioria defendeu-se, considerando que o que se propõe é melhorar o acompanhamento dado às mulheres. “Não está aberto o debate em relação ao referendo do aborto, não é objecto destas propostas de alteração”, começou por dizer o social-democrata Carlos Abreu Amorim. E acusou a oposição de estar a fazer um “esforço grosseiro” de por em causa uma proposta “séria, que visa melhorar as condições em que a mulher continuará a tomar a decisão livremente”. Em “nenhum momento a liberdade de decisão da mulher é limitada”, frisou, sob um coro de protestos da oposição.

A centrista Inês Teotónio Pereira defendeu o mesmo, que as alterações servem para dar consentimento informado às mulheres, para as “ajudar e acompanhar”. “É uma mais-valia que damos a estas mulheres. Sabemos que no terreno este acompanhamento não é efectivado como deve ser.”

O socialista Jorge Lacão não tem dúvidas: “Se infelizmente esta lei vier a ser aprovada, tem de ser a primeira a ser revogada na próxima legislatura. É um retrocesso no avanço que se fez na dignidade da mulher.”

O que deverá acontecer agora em plenário é a aprovação, primeiro e na generalidade, da proposta da Iniciativa Legislativa de Cidadãos "Direito a nascer", que defendia várias alterações à regulamentação da lei do aborto, seguindo-se imediatamente a votação deste texto de substituição. 

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