Ganhar tempo ou governar?

“Ganhar tempo” é a expressão que costumamos utilizar para definir a não acção ou o interregno em que se acha que devemos esperar até chegar o momento certo, porque o sucesso do empreendimento não depende de nós. “Ganhar tempo” é um instrumento político, mas não pode ser a norma do exercício político.

Onde se observa hoje o “ganhar tempo”? Observa-se no BCE, ao inundar a Europa com euros (embora por via indirecta). Observa-se na gestão dos próprios bancos, ao elegerem-se a si mesmos como principal destinatário da ajuda e não as empresas nacionais. Observa-se nas lutas partidárias, centradas nas imagens dos candidatos e não na discussão de ideias ou programas de acção. Observa-se nas diferentes governações dos últimos três anos em todos os países do euro, ao apostar no gerir o que temos e não arriscar em fazer novo.

“Ganhar tempo” é tentador em política se estivermos centrados em datas e não em problemas. Ou seja, se o objectivo é ser eleito ou reeleito numa qualquer contenda eleitoral (o que é um desejo humano compreensível) é natural que facilmente se deslize do cumprir objectivos para passar a ter como objectivo sobreviver-se durante cinco, quatro ou três anos.

“Ganhar tempo” pode ser bom para os diferentes líderes, políticos ou financeiros, bem como para as suas equipas mais próximas, mas é mau para todos os outros (ou seja, pode ser bom para 1% da população mas é mau para todos os outros 99%).

Porque podemos estar “lixados com um F grande” após as políticas praticadas na zona euro durante os últimos três anos? Porque os problemas apontados pela OCDE resultam em grande medida das escolhas que fizemos ou que omitimos ter de fazer.

Há três conclusões a retirar do relatório da OCDE sobre os próximos 50 anos: o crescimento vai diminuir em Portugal e nos restantes países mais desenvolvidos (para uma média de 2,4%); as desigualdades salariais nos países da OCDE vão aumentar, a ponto de a norma passar a ser aquela dos actuais países mais desiguais; e a cooperação internacional vai ser necessária para resolver a maioria dos problemas de Portugal e dos restantes membros da OCDE.

Desenvolvendo um pouco mais os desafios identificados pela OCDE (e traduzindo-os para a dimensão política nacional), surgem claramente opções que têm de ser tomadas e, conforme nos posicionemos numa agenda conservadora ou progressista, há diferentes respostas.

As exportações de países OCDE e emergentes irão tornar-se cada vez mais semelhantes. O que fazer? A aposta terá de ser na diferenciação pela industrialização inteligente e, como a designam os alemães, de raiz 4.0. Isto é, assente na Internet das coisas. Quem o fizer agora na OCDE manter-se-á líder produtivo, os restantes terão de copiar as tendências produtivas impostas por terceiros.

A procura global de trabalhadores com ensino superior e elevadas capacidades técnicas irá continuar a aumentar, pelo que os países terão também duas opções: formar trabalhadores para outros mercados ou desenvolver os seus mercados nacionais produtivos. A primeira opção traduzir-se-á no cobrar de cada vez mais propinas aos actuais estudantes e trabalhadores globais futuros. A escolha é, pois, entre sermos exportadores de técnicos qualificados e endividados ou pioneiros científicos e formadores de quadros para o desenvolvimento nacional.

As escolhas que fizermos nas duas opções anteriores terão traduções directas no tipo de sociedade que queremos construir: sociedades moldadas para a criação de elites globais inclusivas para 20% e excluidoras de 80% dos nacionais, remetendo esses restantes para uma lógica de rendimentos mínimos e assistenciais; ou sociedades equilibradas na redistribuição de rendimentos, no acesso aos mesmos e valorizando a mobilidade social, cultural e educacional.

Os tempos que se avizinham não são tempos de "ganhar tempo", mas sim tempos de escolher governar e mudar.

Para os estados nacionais há também duas opções claras no que respeita à justiça social. A primeira opção para os estados é seguir o actual caminho de incapacidade de controlar a mobilidade e, portanto, deixar de taxar as maiores empresas e os trabalhadores de maiores rendimentos. Isto é, aqueles que são mais móveis internacionalmente e menos enquadráveis pela fiscalidade nacional.

Nesse modelo, aos estados, resta apostar, como sugere a OCDE, no aumento do imposto sobre bens naturais (da água ao petróleo), impostos sobre casas (IMI e taxas afins), sobre o consumo (como o IVA) e, acrescentaria eu, dos rendimentos dos que menos ganham.

A alternativa é menos fácil, mas é tanto possível quanto mais justa. Uma cooperação regional e, progressivamente alargada, ao nível das taxas base de imposto praticadas para empresas com potencial de internacionalização e para trabalhadores especializados de elevada mobilidade.

E, por fim, algo que a OCDE não quer encarar como solução mas que cada vez mais surge como inevitável, pelo menos no caso português, uma maior taxação do património financeiro individual ou empresarial acima de, pelo menos, um milhão de euros e dos rendimentos salariais dos ultra-ricos, incluindo complementos salariais.

Mas essa internacionalização das bases de taxas de impostos só pode ser viável se ocorrer também a par de uma crescente cooperação internacional para a obtenção de bens públicos globais como a investigação científica de base, a intervenção ao nível das alterações climáticas e a cooperação para a inovação tecnológica e desenvolvimento de novos mercados. O que no caso português facilmente se poderá concretizar num plano europeu de exploração dos mares com base na nossa zona marítima.

A única forma de não sermos engolidos pelo facilitismo do “ganhar tempo” é sabermos que problemas temos de resolver e que ideias podemos convocar para nos ajudarem a ultrapassar essas dificuldades.

Obviamente, sem esquecer que valores são os nossos e onde se traça a linha que não queremos ultrapassar (um exercício pessoal fundamental, que devia fazer parte das rotinas matinais diárias dos diferentes actores políticos e financeiros).

Isto é, precisamos de pensar nas próximas 12 legislaturas (ou próximos 12 governos portugueses) e não apenas em quem vai ganhar (ou ficar) no governo em 2015 e como se vai comportar nos próximos quatro anos.

Temos problemas actuais e outros que sabemos que irão desenvolver-se a partir dos actuais. E temos ideias para os resolver, pois basta estar atento aos múltiplos livros ultimamente publicados sobre Portugal ou ao trabalho realizado pelos diferentes think tanks de cariz partidário ou de fundações de base empresarial, como por exemplo o LIPP do PS, ou a Fundação FMS. Estar atendo e escolher.

Só resta fazer a pergunta-chave aos diferentes protagonistas que se estão a alinhar para as eleições legislativas de 2015 e comparar respostas: vens para governar ou para ganhar tempo?

O autor é docente do ISCTE-IUL em Lisboa e investigador do Centre d'Analyse et Intervention Sociologiques (CADIS) em Paris.

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