Não foi fácil encontrar uma propriedade no Alentejo que agradasse à família Symington, com uma história de mais de 140 anos ligada ao Douro e à produção de vinho do Porto. “Tinham o desejo de explorar uma nova região, mas durante muito tempo nada cativava a família”, conta Mário Parada, um dos responsáveis de enoturismo da Symington, a maior proprietária do Douro, com 26 quintas e um total de 2.420 hectares.
Foram as “particularidades únicas” da Quinta da Fonte Souto em Portalegre, quase na fronteira com Espanha, que finalmente levaram a família a fechar negócio em 2017 com o antigo proprietário, o produtor João Lourenço, do projecto Altas Quintas. “A paisagem nem sequer é a da planície alentejana a que estamos habituados”, continua Mário, enquanto nos conduz pela herdade no Alto Alentejo. “Assemelha-se mais a uma paisagem das Beiras.” Aliás, “abaixo do rio Tejo, este continua a ser o lugar mais alto de Portugal”, sublinha a apontar para a Serra de São Mamede.
Quase metade do terreno da quinta, cerca de 100 hectares do total de 207, faz parte do parque natural da serra, com um terroir único e o “luxo” de ter três nascentes de água a alimentar a propriedade. “Durante o dia temos o calor habitual do Alentejo, mas quando chega à noite a temperatura baixa imenso”, continua Mário. “Isto permite que as nossas videiras nunca aqueçam demasiado, de manhã estão sempre frescas para um dia de trabalho completo.”
Quando o grupo Symington chegou à quinta, fora da sua zona de conforto do Douro, o objectivo foi “trabalhar o potencial” que a vinha oferecia. “Não vínhamos com a intenção de fazer um vinho do Alentejo, nem de fazer um vinho à nossa moda, como no Douro”, garante o responsável de enoturismo, que normalmente trabalha nos negócios do grupo no Norte do país. “Foi tentar fazer o melhor vinho possível, com as condições daqui.”
Em 2017, a primeira vindima na quinta foi uma surpresa. “Foi mais para testar, mas acabámos por lançar vários vinhos porque correu bem. Os vinhos foram bem recebidos e depois, mais tarde, fizemos algumas experiências, como o rosé [Quinta da Fonte Souto, de 2020]", continua. “Estamos numa vertente mais qualitativa, não estamos aqui a produzir em quantidade. Na verdade, muitos dos vinhos que produzimos ainda nem são engarrafados.”
Para garantir a qualidade dos vinhos, a Primavera é fulcral. É nesta altura, “com as primeiras subidas de temperatura”, que começa a poda verde, uma actividade essencial para controlar a produção nas vinhas, explica o enólogo Ricardo Constantino, já ligado a projectos vinícolas no Alentejo como a Herdade das Servas.
A poda verde e os 'ladrões'
Este ano, a poda verde coincidiu com a abertura do “centro de visitas” da Quinta da Fonte Souto, a loja onde se fazem as provas e onde são recebidos os visitantes. Aqui, o programa vai desde piqueniques com produtos regionais a passeios pelos mais de 40 hectares de vinha, onde é também possível pôr mãos à obra – neste caso à poda – e ajudar nos trabalhos em curso. “É uma maneira de perceber o que estamos a fazer na vinha em determinada altura do ano.”
A poda verde na quinta começou em Março e durará, em princípio, até ao final de Maio, pelo menos enquanto programa de enoturismo. “No Verão é mais difícil com as temperaturas altas fazer estas actividades na vinha”, diz Ricardo.
Normalmente é a sua equipa que acompanha os enoturistas nas tarefas na vinha, como a poda verde. “Fazemos nesta altura do ano, quando já há crescimento activo, com folhas, lançamentos e quando já vemos os primeiros cachos”, explica o enólogo. “Começamos a intervir em diferentes parcelas, com o objectivo de regular a produção e planear a próxima vindima, deixando só os lançamentos que interessam, a quantidade de uva que nos interessa, para os patamares de vinhos que vamos fazer.”
Se no Inverno, quando a vinha está adormecida, a poda pode ser feita ao longo de três meses, normalmente “entre Dezembro e Fevereiro”, na poda verde, também chamada de “poda em verde”, é preciso ser rápido e actuar em “três ou quatro dias”, continua o enólogo. “Quanto mais rápidos, mais eficientes. A vantagem de fazer nesta fase é que os lançamentos ainda são tenros, jovens, não precisamos de uma tesoura, saem assim que lhes tocamos.”
Com as mãos e sem luvas, o enólogo vai retirando os novos rebentos verdes que não interessam na videira, os “ladrões”, como são conhecidos. “Vão tirar-nos vigor. Não são produtivos e não estão posicionados de acordo com o sistema de condução que nós queremos. São ramos ladrões porque fazem concorrência à planta a nível de foto-assimilados e a nível de água.”
A poda verde é feita de maneira diferente, mais cuidada ou atempada, consoante as castas. “Neste talhão que é uma Touriga Nacional queremos um vinho de uma das gamas mais altas da quinta e queremos logo, nesta fase, trabalhar de uma maneira muito mais controlada”, explica enquanto arranca ramos laterais. “Em poucos minutos, conseguimos uma redução de produção de 30% a 35%. Regulando isto, a videira vai crescer mais facilmente e de acordo com o que pretendemos.”
Até ao lavar dos cestos, os trabalhos na vinha continuam e quem visita a quinta também poderá participar noutras actividades, sempre por marcação. A fase seguinte será “encaminhar as videiras para dentro dos arames, para maximizar a exposição solar”, continua o enólogo. Depois, também haverá a desfolha, para retirar folhas que estejam a interferir com os cachos, e ainda a monda de cachos, para retirar o excesso de produção.
Apesar da grande variedade de castas tintas na vinha (Syrah, Alicante Bouschet, Aragonês, Touriga Nacional, Trincadeira, Grand Noir e Alfrocheiro), a aposta do grupo no Alentejo tem sido “reduzir a área de tinto e aumentar a de branco”, diz Ricardo Constantino.
Para já, foram plantados mais seis hectares de Arinto e Verdelho, as duas castas brancas já existentes na herdade, e outras virão num futuro próximo, muito pela procura crescente de vinhos brancos de Portalegre, “pela altitude, que permite preservar mais a acidez, com vinhos mais aromáticos, de maturações mais lentas.”
A médio prazo, outro dos objectivos para dinamizar o enoturismo será converter uma parte da propriedade em alojamento.
A poda em verde é uma actividade disponível consoante o progresso dos trabalhos nas vinhas e não tem por isso propriamente um valor, mas pode ser feita por quem marcar uma das visitas guiadas com prova (a clássica custa 22 euros e a prova premium 35 euros). Visitas até 15 de Outubro, todos os dias, das 10h às 19h. Reservas através do 910 104 292 ou para reservas@fontesouto.com.