Satisfação com a democracia portuguesa é hoje maior do que há dez ou 20 anos
Numa comparação com 2014 e 2004, é a primeira vez em que a maioria dos portugueses diz estar muito ou razoavelmente satisfeita com a democracia, segundo uma sondagem para o Expresso e SIC.
Apesar das recentes quedas de dois governos — uma por causa do chumbo do Orçamento do Estado para 2022 e outra devido a uma investigação judicial que atingiu o primeiro-ministro — e do novo desenho da Assembleia da República de onde saiu um Governo com uma maioria curta, a satisfação dos portugueses com o funcionamento da democracia é hoje mais alta do que há dez ou 20 anos. Pela primeira vez, a maioria dos inquiridos numa sondagem (57%) diz-se muito ou razoavelmente satisfeita com a democracia, numa comparação com 2014 (25%) e 2004 (39%).
Esta conclusão consta do estudo Os Portugueses e o 25 de Abril realizado por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS – Universidade de Lisboa) e do Iscte (Instituto Universitário de Lisboa), coordenada por Pedro Magalhães, em parceria com a Comissão Comemorativa dos 50 anos 25 de Abril, o Expresso e a SIC, que é apresentado esta sexta-feira em Lisboa.
Hoje, num momento em que Portugal registou o maior excedente orçamental da história da democracia, 56% dos portugueses vêem um país que, desde o final da ditadura, mudou para melhor, um indicador cuja leitura reforça a conclusão quanto à satisfação dos inquiridos com o funcionamento da democracia.
Em 2014, Pedro Passos Coelho anunciava a “saída limpa” da troika, após três anos no programa de resgate financeiro. Mas o retomar da economia seria lento: só em 2018 recuperou totalmente de duas crises consecutivas. O ano de 2014 foi também o do colapso do Banco Espírito Santo e aquele em que o número de portugueses a emigrar atingiu um recorde. Nessa altura, eram mais os portugueses que faziam uma avaliação neutra ou negativa das mudanças ocorridas desde 1974 (no total, 56%) do que aqueles que diziam que o país estava significativamente melhor (41%).
Já há 20 anos, em 2004, os portugueses assistiam ao deteriorar da competitividade da economia, uma tendência que, segundo o Banco de Portugal, era evidente desde a segunda metade da década de 1990.
Foi também um período de instabilidade política. Dois anos depois de acusar os Governos de António Guterres de deixarem “o país de tanga”, o então primeiro-ministro Durão Barroso decidia abandonar o cargo. Sem que fossem realizadas novas legislativas, a chefia do Governo passou para Pedro Santana Lopes, que protagonizaria um dos mandatos mais curtos da história portuguesa.
Como explicam os autores do estudo, a variação das respostas dos inquiridos relativamente a anos passados reflecte as condições sociais e económicas de cada momento.
“Por exemplo, em 2024, a proporção de inquiridos que detectam melhorias aumentou face a 2014 em quase todos os domínios, mas a excepção mais clara a este padrão — a habitação — reflecte as circunstâncias actuais da sociedade portuguesa”, indicam. Nas últimas duas décadas, a habitação era, na verdade, o sector que surgia em primeiro lugar em termos de melhorias. Se em 2014 era essa a posição de 74% dos portugueses, hoje apenas 47% concordam.
Ao mesmo tempo que a satisfação com a democracia aumenta, a proporção dos que se dizem “nada” satisfeitos com o sistema democrático reduziu-se para cerca de um terço da registada há uma década: de 29% para 10%. A insatisfação tende a aumentar com a idade, bem como a ser mais alta entre os que não têm um curso superior e os que vivem com maiores dificuldades económicas.
Abril de 1974, o mais importante da história portuguesa
Em 2024, segundo esta sondagem para o Expresso e SIC, 65% dos inquiridos consideram o 25 de Abril de 1974 o momento mais importante da história de Portugal. Comparando com os dados recolhidos em 2004 e 2014, apesar de esta data ter sido sempre consensual entre a maioria dos portugueses, cada vez mais pessoas destacam a sua importância.
Foram as mulheres, aqueles que têm mais dificuldades económicas e os que estão acima dos 44 anos que mais importância deram ao 25 de Abril. É também uma perspectiva mais comum entre quem se posiciona ideologicamente à esquerda.
Independentemente da posição sociopolítica, a assistência médica é a área em que mais pessoas vêem melhorias relativamente ao período de ditadura. Seguem-se o “nível de vida em geral” e a educação.
Pelo menos 50% dos inquiridos acreditam que as desigualdades sociais e entre regiões, a justiça e o desemprego então igual ou pior; dois terços pensam que estamos pior em termos de corrupção e de criminalidade e segurança.
Do ponto de vista sociodemográfico, quanto maior o nível de instrução, menor a propensão para acreditar que Portugal está hoje tão mal ou pior do que estava no 25 de Abril. Tendem a concordar mais com esta frase os indivíduos que vivem com dificuldades económicas e os que são simpatizantes do Chega.
Relativamente ao período de ditadura em Portugal, 50% dos inquiridos concordam que foi mais negativo do que positivo, enquanto um em cada cinco acha que os aspectos positivos do regime salazarista se sobrepõem aos negativos.
A maioria dos participantes partilha uma visão favorável sobre o colonialismo português, concordando com a ideia de que os portugueses tiveram a capacidade de se “misturarem com os povos colonizados” e que “o colonialismo português foi fundamental para o desenvolvimento” desses povos.
O estudo Os Portugueses e o 25 de Abril foi realizado em parceira com a Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril, e contou com a participação de 1206 portugueses, entre 20 de Março e 4 de Abril. A margem de erro máxima é de cerca de 2,8%.