Bonita, inteligente e bem-sucedida: um perfil ainda difícil de aceitar
Talvez, hipocritamente, pareça mais fácil aplaudir a feia inteligente, reconhecer mérito à empresária que se veste como um homem e à académica que usa óculos graduados e não publica fotos de biquíni.
Não me parece haver discordância nem hesitação coerente em classificar de ‘linda de morrer’ a Sara Sampaio ou a Adriana Lima, que correspondem a um dos padrões de beleza, que é o da morena de olhos verdes. Muitas destas mulheres bonitas começaram por sofrer bullying ainda no infantário, quando o cabelo arrumadinho num puxinho desvenda um rosto encantador, face a outro, que pela malvadez, já se torna pouco atraente. O estereótipo beauty is good, dizem vários estudos, pode demonstrar que pessoas atraentes apresentam maior aquisição de recursos e maior sucesso reprodutivo do que as outras, mas a beleza também pode fechar portas, dificultar caminhos.
Fruto da tão malfadada herança patriarcal, a mulher bonita tem de dar mais provas de que é capaz, de que consegue, de que não é só uma cara engraçada. E eu não estou bem ciente de que as novas gerações de homens vejam, efetivamente, uma mulher inteligente, numa mulher que, por exemplo, expõe o corpo sexy nas redes sociais. Lá vem o emoji do foguinho, dos calores, ou ainda, na pior das hipóteses, da beringela, na fotografia da miúda que tem média de 18 na escola e que gosta de ver as suas publicações nas redes sociais. Será mais exibicionista uma mulher que partilha o corpo, do que uma que partilha constantemente as suas rotinas profissionais ou outras? Não serão as redes sociais, um espelho de vaidades dos comuns dos mortais, sejam elas vaidades físicas ou intelectuais?
Seis estudos nos EUA (Park, Young & Eastwick, 2015) revelaram que em situações psicologicamente próximas (interações reais, espacialmente próximas, interações face a face), os homens distanciam-se e mostram menos interesse pelas mulheres que os ultrapassavam, a nível de inteligência/capacidades. As mulheres bonitas e inteligentes são vistas como uma ameaça porque há muito que sabem, perfeitamente, como se continua a jogar o tabuleiro da desigualdade de género, seja na divisão das tarefas domésticas, seja na liberdade sexual, fazendo com que muitas já não vejam o casamento e a vida a dois como um sonho, mas uma ilusão, uma esparrela.
Para muitos que pertencem à geração de homens mais jovens, a mulher continua a ser condenada pelo que usa, pelo que expõe e só muito mais tarde, as mulheres jovens entenderão este raciocínio masculino de que foram alvo, chegando à conclusão de que foram iludidas e difamadas por homens que nunca as viram como elas eram, educados por mamãs e papás, que comentam que o decote da vizinha é desapropriado. E quando, aliado à beleza ou à exposição do corpo, surge o poder, então o caldo está mesmo entornado. Ou dormiu com alguém, ou é acusada de não ter uma situação emocional e familiar estável, ou é contestada a cada decisão, aproveitando-se cada passinho em falso, para queimar a figura feminina em praça pública. Talvez, hipocritamente, pareça mais fácil aplaudir a feia inteligente, reconhecer mérito à empresária que se veste como um homem e à académica que usa óculos graduados e não publica fotos de biquíni.
Quando era bem mais nova, um pretendente disse-me: “Tu atrais aquilo que publicas nas tuas redes sociais. Se queres um homem para casar, não podes partilhar fotos em biquíni.” A questão que se deve colocar é a seguinte: interessará às mulheres terem ao seu lado homens que as conotam negativamente pela sua aparência? Mesmo que inconscientemente, a mulher continue a ser violentamente julgada pelo que veste e pela forma como se comporta sexualmente. O julgamento vem de homens e de mulheres e os novos tempos, tempos modernos, não auguram nada de bom.
Quando se abordam estas matérias, falar na Cristina Ferreira é já um cliché. Numa das últimas publicações dos conteúdos cor-de-rosa (não consigo chamar-lhe imprensa), informava-se sobre uma visita da figura pública a Miami, para ir ver o seu namorado, mais jovem que ela. As caixas de comentários destilam ódio sobretudo direcionado a Cristina, apelidando-a de tudo e mais alguma coisa, num preconceito geracional bacoco. É ódio, não tenho outra forma de designar, escrito 80%, por mulheres feias, muito feias e sobretudo e certamente muito mal-amadas.
Ainda sobre a beleza feminina quando algumas mulheres partilham publicamente que não se sentem seguras em caminhar numa simples rua, muitas gracejam com ironia, na maioria das vezes porque seguem já um padrão masculino de vestir, não são bonitas, não são vistosas e mesmo assim, não estão imunes. Mas, em vez de procurarem entender uma perspetiva que desconhecem, ironizam, demonstrando pouca empatia.
Afinal quem precisa de feminismo e feministas? Recordando Virginia Wolf: Todas as pessoas e cada vez mais, ou não fosse o feminismo, a ideia radical de que as mulheres são pessoas.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990