A adega de Filipa Pato e do marido, William Wouters, na Bairrada, é um dos 11 projectos galardoados, a nível mundial, com o Green Emblem deste ano, um prémio focado na sustentabilidade e atribuído há três anos pela Robert Parker Wine Advocate.
Este "Emblema Verde" distingue produtores de vinho com abordagens sustentáveis e inspiradoras à viticultura e à produção de vinho. Desde o seu lançamento em 2020, o prémio já foi atribuído a 50 vinícolas, que a publicação considera estarem na vanguarda da sustentabilidade no sector. Entre essas 50, estão agora três adegas portuguesas, depois de nas edições anteriores do prémio terem sido distinguidos os projectos do Esporão (Alentejo) e de Julia Kemper (Dão).
No Instagram, Filipa Pato partilhou a boa nova, dizendo estar "muito feliz e honrada" pelo facto de o seu projecto receber tão "prestigiado prémio". Para a decisão da Robert Parker terão pesado o trabalho com a natureza e o uso de práticas da agricultura biodinâmica, em que Filipa Pato é já uma referência.
Como escrevia a organização dos Golden Vines (os "Óscares" do vinho, para os fine wines) no catálogo de um leilão online, que decorreu em paralelo ao evento do último fim-de-semana, o projecto da bairradina é "uma das vinícolas que mais dão que falar na Europa".
Na nota que publicou no seu site, a Robert Parker Wine Advocate sublinha isso mesmo: a adega de Filipa Pato e William Wouters "chama a atenção de entusiastas e coleccionadores" e é um projecto "cada vez mais respeitado" no mundo do vinho. A publicação explica que o lema de Filipa é fazer "vinhos autênticos sem maquilhagem", em harmonia com a vinha e sacrificando o rendimento. E, nesse particular, cita a empresa bairradina: "Para fazer Baga de alta qualidade, 30 hectolitros por hectare é o máximo absoluto. Em algumas vinhas, atingimos apenas 10 hectolitros por hectare. É preciso saber trabalhar bem na vinha e, se praticarmos a agricultura biodinâmica, temos de estar na vinha todos os dias para sentir o que está a acontecer.”
O projecto Filipa Pato & William Wouters tem certificação de produção biológica (Ecocert) e biodinâmica (Demeter) e o casal vê a sua actividade de uma forma holística, como sublinha a Wine Advocate, que destaca a utilização de uma raça especial de porco, "um cruzamento do pequeno porco vietnamita com o médio porco português bísaro", na vinha — prática que foi objecto de reportagem no Terroir há precisamente um ano.
Ainda citando o casal de produtores, a publicação deixa a explicação da importância do trabalho feito pelos porcos na vinha: "Fazem um trabalho fantástico revirando o solo e controlando as ervas daninhas, especialmente à volta das vinhas… eliminando totalmente todas as ervas daninhas, também arejam o solo, fertilizam-no com seus excrementos e contribuem para a sua acidificação (os solos da Bairrada tendem a ser muito alcalinos), ao coçarem o corpo nos troncos da videira limpam-no contribuindo para a sanidade da videira".
É destacado ainda o lado da "pura intuição" ("não existe uma fórmula") e o facto de as decisões de Filipa e William, mas sobretudo da enóloga, serem baseadas "na observação, na reflexão, no sentido do presente e na visão do desenvolvimento futuro".
Escusado será dizer que a produtora de Óis do Bairro, Anadia, não utiliza pesticidas, herbicidas, fertilizantes ou fitofármacos de síntese química. Trabalha os cobertos vegetais e atenta à conservação da fauna e flora naturais do terroir, aproveitando a acção de "insectos benéficos como joaninhas e cochonilhas (...) para controlar populações de insectos indesejados". Estabelece parcerias com "as comunidades locais e vizinhas". E procura "reduzir a pegada de carbono em todos os aspectos do negócio". "Chamá-los de detalhistas é um eufemismo", termina a Wine Advocate.
Os outros premiados
Os outros premiados com o Emblema Verde deste ano estão em França, Alemanha, Itália, Espanha, Chile, Argentina e Austrália. Aqui ao lado, o projecto Pingus, na região espanhola de Castilla Leon, do enólogo dinamarquês Peter “Ping” Sisseck, também viu a Robert Parker reconhecer o uso de animais na vinha, neste caso vacas.
Em França, o Domaine Guillemot-Michel destaca-se pelo seu trabalho pioneiro com produtos orgânicos e agricultura biodinâmica, juntamente com o Château Mangot, perto de Bordéus.
Em Itália, a vinícola Petrolo viu reconhecidos os esforços de Luca Sanjust para tornar o Valdarno di Sopra DOC, na Toscana, a primeira denominação de origem com certificação biológica na Europa. Na Campânia, chamaram a atenção do júri a utilização de painéis solares e a produção de biogás na propriedade San Salvatore 1988. Giuseppe Pagano, carinhosamente chamado “Peppino” e sua equipa têm uma produção vitícola com completa autonomia energética, graças ao aproveitamente das energias renováveis.
Em Weingut Clemens Busch, na região alemã de Mosel, Clemens e Johannes Busch, pai e filho, praticam uma agricultura mais sustentável, quer do ponto de vista ambiental, quer do ponto de vista social. Entre outros cuidados, este produtor utiliza quantidades muito reduzidas de enxofre. Frank John, outro produtor na Alemanha, conseguiu ter uma adega com pegada de carbono neutra.
Fora da Europa, no Chile, foi premiada a Emiliana, a maior vinícola biodinâmica do mundo. Na Patagónia, o projecto Chacra foi reconhecido pelo seu trabalho com os cobertos vegetais e pela abordagem biológica e biodinâmica de Piero Incisa della Rocchetta, que já leva uma vintena de anos e que se desenvolveu ao mesmo tempo que a adega se ligava à aldeia onde os seus vinhedos se inserem.
No Sul da Austrália, a Yangarra Estate Vineyard tem uma abordagem mais global à sustentabilidade, muito para lá das suas práticas de agricultura biológica e biodinâmica, e com especial foco na protecção da fauna e da flora que convivem e rodeiam a vinha.