Os partidos políticos e a independência da RTP
A presença maioritária nos órgãos de gestão de pessoas diretamente designadas pelos partidos políticos e pelo Governo e a partidarização e a politização daí decorrentes representariam um evidente retrocesso no modelo de governação da RTP.
Desde há muitos anos que a RTP não é acusada de ser um instrumento do Governo ou do poder político. Recorde-se que, durante algumas décadas a seguir ao 25 de Abril, cada vez que mudava o partido do governo, mudava também, pouco depois, a administração da empresa e, logo a seguir, os diretores de conteúdos, sobretudo na informação. Criava-se assim uma autêntica cadeia hierárquica de controlo político entre o governo e esses diretores com inevitáveis consequências na sua independência.
Esse tempo acabou. Desapareceram as frequentes queixas e polémicas sobre a alegada governamentalização da informação. Ao longo das últimas duas décadas, um conjunto de alterações aos estatutos da RTP conferiu-lhe uma independência antes inexistente. A administração da RTP não é nomeada pelo governo, mas sim pelo Conselho Geral Independente (CGI), de cujos seis membros apenas dois são diretamente designados pelo executivo. A nomeação dos diretores de conteúdos pela Administração está dependente de um voto favorável vinculativo da ERC. Os serviços públicos de rádio e de televisão são escrutinados também, internamente, pelo Conselho de Opinião (que designa dois outros membros do CGI e participa, com os membros indicados pelo governo, na cooptação de outros dois) e pelos provedores do ouvinte e do espectador e, externamente, pelo Tribunal de Contas, pela ERC e por auditorias independentes.
No entanto, alguma insatisfação interna na empresa terá conduzido PCP e BE a proporem uma importante revisão no seu modelo de governação... e também de financiamento. Ambos os partidos convergem no fim do CGI, mas enquanto que o PCP manteria um Conselho Geral – com cerca de 15 membros, dos quais, entre outros, seis seriam indicados por cada um dos grupos parlamentares e três pelo governo – a quem competiria escolher por uma maioria qualificada de 2/3 o Conselho de Administração e aprovar os diretores indicados por este, o BE atribui ao Parlamento a escolha por maioria simples do presidente do Conselho de Administração, cujo elenco teria ainda mais três membros indicados por este e um pelos trabalhadores da RTP. Recorde-se, aliás, que já em setembro de 2012, cerca de dois anos antes da criação do CGI, o BE tinha apresentado um projeto de lei, que não chegaria a ser debatido, segundo o qual competiria ao Parlamento, por maioria qualificada de 2/3, eleger o presidente do Conselho de Administração, que indicaria os (apenas) dois outros membros desse órgão.
A presença maioritária nos órgãos de gestão de pessoas diretamente designadas pelos partidos políticos e pelo Governo e a partidarização e a politização daí decorrentes representariam um evidente retrocesso no modelo de governação da RTP. A transferência do controlo do operador público para o quadro parlamentar relembra a triste experiência italiana dos anos 70 e 80, classificada como a lottizzazione, expressão usada pela doutrina para classificar a tácita partilha dos canais do operador italiano RAI pelos principais partidos políticos.
O atual modelo de governação da RTP tem vantagens em relação ao modelo anterior. O facto de o Conselho de Administração da RTP não ser eleito nem reportar diretamente ao Governo, a sua inamovibilidade, as competências atribuídas ao CGI, ao Conselho de Opinião, à ERC e aos provedores, sem desvalorizar os órgãos próprios dos jornalistas, têm assegurado uma maior independência.
É verdade que o modelo do CGI tem também evidentes desvantagens. A escolha do Conselho de Administração pelo CGI pode representar uma captura política das competências de supervisão deste órgão, uma vez que existirá o risco de ele ter relutância em reconhecer o erro de uma escolha menos acertada. A eventual falta de conhecimento sobre o setor da comunicação social e de uma perspetiva estratégica para o serviço público por parte dos membros do CGI limita a sua autoridade e a apreciação crítica do projeto estratégico que o Conselho de Administração lhe deve submeter para aprovação. O afastamento dos governos relativamente à gestão quotidiana da empresa tem tido como consequência uma maior insensibilidade face aos seus novos desafios no atual quadro tecnológico, social e económico que tantas alterações tem provocado nos media, o que pode ter consequências negativas na definição do contrato de concessão e do financiamento do serviço público. Nem o poder político nem a empresa parecem ter uma visão estratégica sobre o serviço público de media.
Ao mesmo tempo, os projetos de lei do PCP e do BE incluem outra medida que considero profundamente errada. Embora não seja claro qual a relevância que teria no montante do financiamento da RTP, a recuperação da indemnização compensatória, verba incluída anualmente no Orçamento do Estado, voltaria a colocar a empresa na estrita dependência do poder político. No passado, a imprevisibilidade, a irregularidade e a insuficiência desta forma de financiamento (sobretudo, por estar subordinada aos ciclos económicos e às vontades dos governos) conduziram a RTP para uma grave crise financeira, que nasceu, aliás, no início dos anos 90, quando o governo de Cavaco Silva extinguiu a taxa de televisão e pretendeu substituí-la, de forma insuficiente, por esta então inovadora forma de financiamento da RTP. Esta indemnização compensatória apenas se justificaria como mero complemento da atual CAV, se permitisse financiar a empresa pelos serviços que presta, por exemplo, com as emissões internacionais e, por outro lado, reduzir os espaços de publicidade comercial. Um eventual regresso da indemnização compensatória como principal ou relevante fonte de financiamento da RTP constituiria um tremendo erro.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico