Memórias de Família

Memórias de Família

O voluntário coberto de medalhas

José Ribeiro esteve colocado em pontos diversos da frente francesa

A José Ribeiro Barbosa não foi preciso que a guerra o chamasse, para se juntar ao exército. Nascido em Joane, Vila Nova de Famalicão, a 29 de Janeiro de 1887, e oriundo de uma família de industriais da área do têxtil, alistou-se como voluntário, ainda antes de fazer 20 anos.

Por isso, em 1906, já tinha sido integrado no Regimento de Infantaria n.º 8 de Braga e foi aí que fez o curso da Escola do Exército. Em 1911, José Ribeiro Barbosa foi promovido a alferes e dois anos depois a tenente. Já durante a Grande Guerra, em 1917, chegou a capitão e era já essa a patente que ostentava quando, a 22 de Abril de 1917, acompanhou o 1.º Batalhão de Infantaria n.º29 de Braga para França. Os primeiros anos da guerra, entre 1914 e 1916 passara-os numa comissão de serviço, em Cacheu, na Guiné.

A história de José Ribeiro Barbosa foi contada pelo seu neto, Dino Ramalhete, à investigadora Margarida Portela, do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Socias e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Além dos factos recolhidos sobre o avô, Dino Ramalhete apresentou também um conjunto de artefactos cuidadosamente guardados: a espada militar de José, as várias condecorações que recebeu, cartuchos que trouxe para Portugal após a sua passagem pelas batalhas da Flandres, várias fotografias e até um recorte do jornal Lusitano, em que a imagem de José Ribeiro Barbosa figura numa secção designada “Galeria da Grande Guerra”.

De óculos redondos, bigode e ar afável, o avô de Dino Ramalhete não parece, à primeira vista, o combatente descrito como de uma bravura e coragem dignos de uma medalha. A sua fotografia, não fosse a farda militar, poderia levar-nos a pensar que estávamos, de facto, na presença de um homem de paz, e não de um voluntário do exército. As condecorações que recebeu, contudo, não deixam margem para dúvida sobre a sua dedicação ao cargo.

Em França, conforme descreveu o neto, José Ribeiro Barbosa participou em diferentes batalhas e esteve colocado em pontos diversos da frente, além de ter sido director da Escola de Esgrima de Baionetas e de ter cursado a Escola de Granadeiros e Metralhadoras Ligeiras. Esteve na primeira linha de defesa do sector Boutillerie (Fleurbaix), onde o seu batalhão conseguiu repelir um ataque alemão, fazendo vários prisioneiros, e comandou a 1.ª Companhia de Infantaria, no sector de Ferme de Bois (Richebourg) e em Ferme de Bois II, onde os alemães voltaram a ser travados.

Quando o 9 de Abril de 1918 chegou, o dia da célebre Batalha de La Lys, José foi colocado à frente da 2.ª Companhia do Grupo de Ciclistas. Dino Ramalhete não refere se o avô foi, então, feito prisioneiro, mas José Ribeiro Barbosa só regressaria a Portugal a 5 de Junho de 1919, a bordo de um dos navios ingleses que transportou os portugueses de regresso a casa, o Northwestern Miller.

Seguiram-se louvores e condecorações, todos destinados a enaltecer o comportamento e o valor do famalicense durante a guerra. “Nada pedia aos seus que não praticasse e não fizesse na frente do combate”, é uma das qualidades atribuídas a José Ribeiro Barbosa e que bem podia servir-lhe de epitáfio. Pela sua participação na Grande Guerra passou a carregar ao peito a Cruz de Guerra, a Medalha da Vitória, a Medalha Comemorativa da Campanha de França “Legenda 1917-1918”, a Cruz Vermelha de Dedicação, a Medalha de Agradecimento da Cruz Vermelha Portuguesa, a Medalha de Prata da Classe de Comportamento Exemplar.

De regresso a casa, José Ribeiro Barbosa continuou a sua carreira militar e seria um dos apoiantes do Movimento de 28 de maio de 1926, que iria impor a ditadura em Portugal até 1974. Sob a batuta da ditadura, foi governador civil de Braga durante três anos e recebeu o grau de Cavaleiro da Ordem Militar de Cristo. Para o famalicense, a vida sob o regime que pôs fim à 1.ª República não iria, contudo, durar muito tempo. Como tantos outros portugueses que passaram pelas trincheiras da Flandres, morreria prematuramente, com apenas 43 anos, em Braga.
 

   


 

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