A mentira, a ciência, a heresia e o nosso futuro

Para não ser tolo, o cientista tem de ter um nível de conhecimento muito aprofundado. E isso custa muito dinheiro, é caro!

Em ciência, não se pode mentir. É a base do método científico, o processo utilizado por um grupo de indivíduos eventualmente em risco de extinção no nosso país, vulgarmente conhecidos como cientistas.

Como funciona o método cientifico? É simples: primeiro duvida-se de algo. Por desconforto ou por irreverência, não se acredita na explicação dada para justificar determinado fenómeno. É este ato inicial de “não aceitar” que cria uma primeira ruptura e faz com que se associe frequentemente os cientistas a uma certa forma de excentricidade. O cientista soma e segue, tentando dar uma explicação alternativa, criando uma hipótese. O que é isso? É simples, o cientista argumenta as bases de uma explicação alternativa, materializando assim o seu confronto.

O que distingue o cientista do tolo é que este ato de irreverência e confronto tem de ser substanciado pelo conhecimento. Numa sociedade global do conhecimento, para não ser tolo, o cientista tem de ter um nível de conhecimento muito aprofundado. E aí surge um primeiro problema: esse nível de conhecimento só pode ser adquirido por um processo longo e árduo de aprendizagem que pressupõe a existência de um sistema de ensino de altíssima qualidade, a nível básico, intermédio e avançado. Qual é o problema? Custa muito dinheiro, é caro!

Alguns argumentarão que não fará eventualmente grande sentido gastar tanto dinheiro (que custa tanto a ganhar) para sustentar um pequeno grupo de excêntricos, irreverentes, eventualmente tolos. Para não passar por tolo, o cientista tem então de tentar provar a sua hipótese, e para tal é necessário realizar uma série de experiências, usando uma metodologia científica, em que os resultados obtidos terão de ser interpretados rigorosamente sem possibilidade de deturpação (a tal mentira). Para isso são necessárias estruturas muito complexas que permitam a participação de vários cientistas na realização de experiências, formando assim equipas em centros de investigação. E aí surge um segundo problema: custa muito dinheiro, é caro!

Historicamente, este tipo de actividade, vulgarmente designada por ciência, não foi  suportado pelo Estado, chegando mesmo a ser punido. Talvez o melhor exemplo seja dado pela Santa Inquisição, que queimava (vivos) os heréticos, os tais indivíduos com uma linha de pensamento contrária ou diferente do credo ou sistema vigente, que provavam cientificamente que a realidade não é (era) o que lhes era imposto. Felizmente, as coisas entretanto mudaram. Os estados suportam a ciência e os cientistas não são considerados heréticos. Se assim não fosse, Galileu Galilei teria sido queimado (vivo), o planeta Terra afinal não rodava a volta do Sol e, por isso, não haveria satélites de telecomunicação, nem computadores ou telemóveis como aqueles mais bonitos com uma maçã mordida pelo pecado, que geraram milhões de milhões de milhões em benefício financeiro, económico, social e cultural para as empresas e os estados que suportaram a sua ciência.

Cabe agora a quem de direito, e em particular aos cientistas com poder de decisão politica em Portugal, ter a coragem e a determinação de decidir se vale ou não a pena suportar generosamente a ciência do nosso país, e, se tal for o caso, não mentir, demonstrando inequivocamente que o mesmo está a ser feito.

Cientista

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