Schengen está morto? Viva Schengen!

Os cobardes e chocantes ataques terroristas a Paris e o afluxo maciço de pedidos de asilo à União Europeia levantam questões da maior importância quanto à nossa capacidade de assegurar o controlo efectivo das nossas fronteiras exteriores, hoje comuns.

Apelamos aos chefes de Estado e de Governo a entender a dimensão destas crises sem precedentes a partir de uma visão política clara: devemos unir-nos para combater a ameaça terrorista, na Europa como fora dela; os refugiados são vítimas, não são ameaças; e os europeus são suficientemente fortes para garantirem de forma duradoura o seu acolhimento e a sua integração. Apelamos aos chefes de Estado e de Governo a que desenvolvam uma diplomacia mais pró-activa para estabilizar a nossa vizinhança e a aumentar a sua ajuda aos países que acolhem hoje a maioria dos sírios que pedem asilo (Turquia, Jordânia e Líbano), de modo a permitir que os refugiados fiquem na região de origem. Apelamos também a que reforcem os controlos nas nossas fronteiras, intensificando nomeadamente a luta contra os terroristas, as redes de passadores e a criminalidade organizada e, por isso, também as trocas entre os serviços de polícia e de informações. Para isto, têm a sorte de dispor de numerosas ferramentas europeias de cooperação policial e judicial (Sistema de Informações Schengen, Europol, Frontex, Gabinete de apoio para o asilo, etc.), que devem utilizar e diversificar perante a crise. Mobilizar estas ferramentas é indispensável por razões de eficácia – um país que aja sozinho é impotente –, mas também para garantir a confiança mútua entre os Estados: todos devem estar convencidos de que nenhum entre eles negligencia a missão de fiscalização das nossas fronteiras comuns.

É em primeiro lugar para melhor enfrentar o desafio terrorista que é preciso utilizar plenamente o instrumento “Schengen”. A emoção que sentimos depois dos atentados recentes reaviva um desejo de segurança que pode cristalizar-se em volta do restabelecimento dos controlos nas fronteiras nacionais, tendo em conta o seu peso no nosso imaginário colectivo. Mas o nosso desejo de segurança será satisfeito no próprio quadro do espaço Schengen. Vale a pena recordá-lo: a grande maioria dos 141 artigos da convenção de aplicação do Acordo de Schengen tem como objectivo organizar a cooperação policial e judicial entre as autoridades nacionais - uma cooperação tão útil que até países que não são membros, como o Reino Unido, quiseram participar. “Schengen” é, ao mesmo tempo, mais liberdade e mais segurança, dois avanços que devem ser consolidados paralelamente. Os atentados terroristas são muitas vezes perpetrados por nacionais, na Europa e lá fora, mas têm raízes internacionais: eles exigem, igualmente, soluções europeias e internacionais. Os terroristas são frequentemente conhecidos da polícia e da justiça ou dos serviços de informações: é dando a estes serviços meios financeiros, humanos e jurídicos suplementares, incluindo a adopção do PNR [Registo do Nome dos Passageiros] europeu, que se poderá lutar mais eficazmente contra os atentados. E não afectando de forma estéril estes meios à vigilância das fronteiras internas do espaço Schengen, para controlar sem qualquer utilidade centenas de milhões de europeus que as atravessam mensalmente. Schengen é a condição da nossa segurança: para derrotar o terrorismo, a união faz a força, a desunião desarma-nos.

A criação recente de centros europeus de identificação e de tratamento dos que recorrem ao direito de asilo (“hot spots”) na Grécia e na Itália inscreve-se também nesta logica europeia: temos de ser solidários com estes países por generosidade, mas também para recuperar o controlo da situação nas nossas fronteiras. Também devemos prolongar o mais depressa possível este movimento de europeização: criação de guardas de costa e de fronteiras europeus; intervenções marítimas sob mandato da ONU; melhorar a capacidade do Frontex, incluindo nos procedimentos de repatriamento dos que estão em situação irregular; criação de rotas europeias de imigração legal, etc..

Se as regras de Schengen prevêem o regresso temporário aos controlos das fronteiras nacionais em período de crise, não é do interesse de ninguém que se eternizem, tendo em atenção o seu custo económico e financeiro exorbitante: este regresso aos controlos nacionais pode ser uma opção, mas não é, de certeza, uma solução! É para que milhões de camionistas, trabalhadores fronteiriços e empresas que exportam para toda a Europa deixem de perder tempo e dinheiro que o Acordo de Schengen foi assinado há 30 anos e posteriormente alargado em benefício de 400 milhões de europeus. E foi para reforçar a eficácia dos guardas de fronteiras e dos polícias que os controlos fixos, caros e falsamente fiáveis, foram substituídos por controlos móveis, pelo desenvolvimento da cooperação policial europeia e pelo reforço dos controlos nas fronteiras externas. Um recuo seria uma forma de confundir a presa com a sua sombra: se os europeus fossem, de certeza, as vítimas (trabalhadores, PME, contribuintes…) quem seria o beneficiário?

É preciso salvaguardar e ampliar simultaneamente Schengen face às crises internacionais, contrariando a tentação perigosa de um regresso às fronteiras nacionais, que prejudicaria a maioria dos europeus sem reforçar em nada a sua segurança. Unamo-nos, pois, face aos novos desafios num espírito de cooperação e de solidariedade – para que Schengen viva!

 

Este texto é assinado por Jacques Delors, António Vitorino e os membros do Comité Europeu de Orientação 2015 do Instituto Jaques Delors: Joaquín Almunia, Pascale Andréani, Michel Barnier, Erik Belfrage, Pervenche Berès, Yves Bertoncini, Joachim Bitterlich, Günter Burghardt, Josep Borrell, Jean-Louis Bourlanges, Laurent Cohen-Tanugi, Etienne Davignon, Renaud Dehousse, Sophie-Caroline de Margerie, Philippe de Schoutheete, Henrik Enderlein, Jonathan Faull, Pavel Fischer, Nicole Gnesotto, Arancha Gonzalez, Elisabeth Guigou, Philippe Lagayette, Eneko Landaburu, Jean Lapeyre, Pierre Lepetit, Enrico Letta, Paavo Lipponen, Stefano Manservisi, Vítor Martins, Antonio Missiroli, Pierre Morel, Gaëtane Ricard-Nihoul, Maria João Rodrigues, Daniela Schwarzer, Antoinette Spaack, Christian Stoffaes, Christine Verger

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