Quatro condenados à morte por linchamento que chocou o Afeganistão

Uma jovem conservadora foi espancada até à morte em público, enquanto alguns fotografavam e filmavam. As imagens deixaram muitos a questionar-se sobre o rumo do país, ainda um dos mais perigosos do mundo para as mulheres.

Alguns dos acusados, durante o julgamento
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Alguns dos acusados, durante o julgamento Wakil Kohsar/Reuters
Activistas afegãs no funeral de Farkhunda
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Activistas afegãs no funeral de Farkhunda Mohammad Ismail/Reuters

O tribunal que julga os crimes contra a segurança nacional no Afeganistão condenou quatro homens à morte por enforcamento por terem participado no linchamento de Farkhunda, a afegã de 27 anos que foi espancada até à morte, queimada e deixada numa lixeira, depois de o seu corpo ter sido amarrado a um carro e arrastado, por uma multidão que a acusava de ter profanado o Corão.

A morte de Farkhunda deixou em estado de choque uma boa parte da população afegã. No seu funeral, foram mulheres que transportaram o caixão e muitas activistas disseram acreditar que teria de haver um antes e depois para as mulheres no Afeganistão.

“Nos últimos 13 anos, a comunidade internacional não foi capaz de dar tanto poder às mulheres como o sangue da minha irmã”, disse ao diário norte-americano The Washington Post um dos irmãos da jovem, Majibullah Malikzadah.

Vários polícias assistiram passivos ao linchamento de Farkhunda, perseguida desde a saída da mesquita, perto do palácio presidencial e do grande bazar de Cabul, bem registado por fotografias e vídeos divulgados nas redes sociais.

O assassínio da jovem – que foi falsamente acusada de queimar o Corão por um imã que ela denunciara por vender amuletos aos mais pobres e desesperados – foi fortemente condenado pelo Presidente, Ashraf Ghani, que prometeu uma investigação sem falhas, e até pelos radicais taliban, que enquanto estiveram no poder (1996-2001) proibiam as mulheres de estudarem ou de saírem à rua sem um guardião masculino.

O mesmo tribunal que condenou à morte Zainul Abiddin, Mohammad Yaqub, Mohammad Sharif e Abdul Bashir, julgou 49 pessoas pelo ataque. Oito homens foram condenados a 16 anos de prisão e 18 foram considerados inocentes e libertados.

Quatro dias bastaram aos juízes para chegarem ao veredicto depois de um julgamento de cinco dias, nos quais o tribunal pôde ver parte das imagens do ataque gravadas com telemóveis. Aliás, foram essas imagens que permitiram deter alguns dos acusados, que não resistiram a publicar o que tinham gravado e a vangloriar-se por terem participado no ataque.

Falta ainda decidir a sorte de 19 polícias – domingo, o tribunal anunciará a sua decisão. Os agentes são acusados de terem falhado no seu dever de impedir o ataque. Na altura, o ministro do Interior anunciou o despedimento de 20 polícias, incluindo o chefe da polícia local.

Entre os condenados à morte está o autoproclamado líder religioso que vendia amuletos aos mais desesperados, numa das mais veneradas mesquitas da capital, aquela onde Farkhunda, muito religiosa, que saía à rua tapada dos pés à cabeça, como as mais conservadoras afegãs, ia com frequência. O agora condenado acusou-a de blasfémia e mobilizou uma multidão para a linchar, antes de lançar o seu corpo ao rio Cabul.

Os protestos contra a violência que as afegãs enfrentam (ainda raros no país) que se seguiram ao assassínio de Farkhunda repetiram-se nos últimos dias. Num deles, na semana passada, os manifestantes encenaram o ataque.

Num relatório publicado em Abril, as Nações Unidas defendem que o acesso à justiça por parte das mulheres tem de ser “reforçado” no Afeganistão. O relatório concluiu que só 5% dos processos de violência contra mulheres em que os autores são identificados chegam a tribunal.

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