Presidente da Venezuela anuncia grande operação para prender opositores

"Vamos capturá-los um a um", disse Nicolás Maduro, que parece estar a perder influência. Governo e opositores voltam a medir forças nas ruas no sábado.

Foto
A oposição e o Governo marcaram manifestações para sábado nas mesmas cidades Jorge Silva/Reuters

O Governo da Venezuela quer neutralizar a oposição. “Vamos capturá-los um a um. Aqui não há um Presidente fraco, aqui não há um povo fraco”, disse Nicolás Maduro, que, na quinta-feira à tarde, foi ver a destruição que os confrontos entre manifestantes anti-Governo e forças pró-Governo deixaram nas ruas de Caracas.

Leopoldo López, líder da Vontade Popular, está preso desde terça-feira. De acordo com o jornal espanhol El País, estão em curso buscas em casas particulares na procura de Antonio Rivero, um antigo militar que chegou a fazer parte do Governo de Hugo Chávez — o fundador do regime socialista bolivariano venezuelano — e se demitiu depois de denunciar a interferência de Cuba nas Forças Armadas da Venezuela.

Outro dirigente da Vontade Popular (VP), Carlos Vecchio, é procurado pela justiça. E Maduro disse que o presidente da Câmara de San Cristóbal (a cidade onde começou a revolta contra o Governo), Daniel Ceballos, também da Vontade Popular, pode ser acusado de incitamento à violência e conspiração. 

Corina Machado, a número dois do VP, é outro alvo: o processo para retirar a impunidade parlamentar a esta deputada já começou e o objectivo é acusá-la no processo contra Leopoldo López, acusado de actos de delinquência e associação delinquente.

O Presidente Nicolás Maduro chamou-lhes “fascistas”, acusou os estudantes (os primeiros a rebelar-se, em protesto pela alta taxa de criminalidade no país, 71 homicidios por dia) de estarem a receber dinheiro para provocarem a violência e disse que há um líder da oposição que planeava assassinar Leopoldo López para “depois culpar o Governo”. O seu nome será divulgado em breve, prometeu, e será preso.

Já no palácio presidencial, Maduro prometeu prender mais pessoas: as que, através da rede social Twitter, o ameaçaram e ao segundo homem do regime, Diosdado Cabello, presidente do Parlamento e para muitos o homem que, neste momento, manda realmente na Venezuela. 

Comando Antigolpe reúne-se
Nesta sexta-feira, Cabello vai reunir-se com Maduro — oficialmente trata-se de uma reunião do Comando Nacional Antigolpe — para decidirem o que fazer a seguir e dominar a contestação ao regime.

Desde terça-feira, quando a contestação se tornou nacional e a violência escalou, que surgem sinais em como a tomada de decisões pode não estar a obedecer à hierarquia. Um vídeo que foi divulgado mostra a Sebin — a polícia política — a disparar contra manifestantes. Maduro disse que lhe tinham desobedecido, fazendo aparecer a hipótese de ser Cabello quem montou e accionou a estrutura de resposta às manifestações — deu ordens à polícia de choque, accionou as brigadas revolucionárias (constituídas sobretudo por civis, estão a ser a guarda avançada da polícia antimotim, diz o jornal venezuelano El Universal) e mandou avançar as unidades motorizadas da polícia que têm investido contra os manifestantes. O ministro das Prisões, Iris Varela, publicou um tweet a dizer que a oposição se “borra de medo” dos colectivos (as brigadas) e chamou-lhes “pilar fundamental de defesa da pátria”.

“Se não é o Presidente, quem está a dar as ordens? Diosdado Cabello é o principal suspeito. Talvez os dois homens estejam a representar o papel do polícia mau e do polícia bom. Seja como for, fala-se que o descontentamento dentro do exército está a crescer e os repetidos apelos do Governo à ‘unidade’ das Forças Armadas sugere que as coisas não estão bem nos quartéis”, escreve a revista Economist.

Quando se tornou o herdeiro do chavismo — Chávez designou-o seu sucessor político antes de morrer, a 5 de Março do ano passado —, Nicolás Maduro benefeciou do factor emocional e venceu as eleições presidenciais, ainda que por curta margem. Herdou um país já com muitos sinais de fragilidade e a sua gestão cristalizou-as numa grave crise económica e financeira que, agora, tem também consequências sociais.

Hugo Chávez canalizou os lucros do petróleo venezuelano para programas sociais e diminuiu o índice de pobreza. Os cidadãos agradeceram-lhe e retribuíram-lhe com apoio e adoração. Porém, 15 anos depois, os venezuelanos querem mais resultados e questionam o que aconteceu a essa tamanha riqueza natural — em 2011, a OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo) classificou as reservas venezuelanas como as mais ricas do mundo.

Mas a Venezuela não tem capacidade para extrair o petróleo que tem e a produção está muito aquém do possível — de tal forma que, no ano passado, a Reuters encontrou três petroleiros novos em folha parados na mesma doca onde, meses antes, tinham sido baptizados com pompa. A falta de matéria-prima paralisou grande parte da produção industrial. Também não há energia para alimentar as fábricas ou para manter acesas as luzes nas casas particulares; os apagões são constantes em algumas cidades e nas zonas rurais. O país, que depende das importações em muitas matérias, não tem divisas para comprar alimentos e há escassez de bens essenciais. Os supermercados, estatais e privados, pouco têm nas prateleiras e, quando têm, formam-se longas filas à porta. A inflação no ano passado foi de 56%, sobretudo nos produtos alimentares. A taxa de criminalidade é das mais elevadas do mundo. 

Washington e Cuba
Nicolás Maduro acusa os Estados Unidos de estarem a fazer “guerra económica à Venezuela” com o objectivo de derrubar o regime socialista. Washington acusa Cuba de ingerência na governação venezuelana e responsabiliza o regime comunista de Havana por muitos dos erros de gestão. Os analistas menos comprometidos dizem que as duas realidades são verdadeiras, mas não desresponsabilizam Maduro pelas más decisões que aceleraram a descida da Venezuela ao abismo.

Os erros de gestão económica e a corrupção — a mais alta da América — danificaram irremediavelmente o projecto socialista de Hugo Chávez, analisa a Economist.

Neste contexto, o Presidente Maduro insiste na fórmula com que tentou cativar a população ao ser eleito — o factor emocional. Declarou-se “filho” de Chávez, disse que o “comandante” lhe apareceu na forma de um passarinho e, em Outubro, admitiu na televisão pública que dorme com frequência no mausoléu do Presidente morto. A retórica da emoção perdeu efeito. Como a retórica do medo — voltou a dizer que o querem matar; no ano passado, Maduro denunciou 13 tentativas para o assassinar. 

No sábado, as duas partes medem novamente forças. Outro líder da oposição, Henrique Capriles (da ala mais moderada, o Justiça Primeiro), marcou manifestações em todo o país e pediu aos apoiantes para não exigirem a queda do Governo mas sim o fim da violência e a libertação dos presos políticos. Maduro respondeu convocando, também para sábado e para as mesmas cidades, marchas mas só de "mulheres revolucionárias".

Não está claro qual será o rumo da contestação, como não é ainda evidente se o Governo vai optar pela repressão das manifestações e pela prisão de todos os opositores até os protestos se esvaírem. Mas uma das vítimas deste inédito desafio ao chavismo pode muito bem ser Nicolás Maduro.

Sugerir correcção
Comentar