Paraguai impede menina de dez anos violada pelo padrasto de abortar

As autoridades ignoram pressão internacional e defendem que não há risco para a vida da menina.

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Autoridades dizem que aborto está excluído porque não há de momento risco para a saúde da menina grávida Daniel Rocha/Arquivo

A mãe pediu que fosse permitido à filha abortar. Mas as autoridades do Paraguai rejeitaram o pedido. “Para abortar, tinha de ser antes das 20 semanas”, disse o ministro da Saúde, Antonio Barrios, que foi antes médico pessoal do Presidente, Horacio Cartes. “O aborto é uma opção que descartámos completamente.”

Várias organizações não-governamentais estão a tentar pressionar para que o Paraguai mude de opinião. “Este é um atentado contra os direitos humanos”, disse Elba Núñez, da associação CLADEM, ao diário espanhol El País. A vice-directora da Amnistia Internacional para a América, Guadalupe Marengo, defende que esta recusa é uma violação da lei internacional. “O impacto físico e psicológico de obrigar esta menina a continuar uma gravidez não desejada é equivalente a tortura.”

A organização americana Center for Reproductive Rights está a preparar um processo contra o Governo do Paraguai alegando que o parto poderá trazer “danos permanentes” para a menina, e tem uma petição online sobre o caso.

O Paraguai apenas permitiu uma vez um aborto selectivo por estar em causa a saúde da mãe, em 2009, por uma gravidez ectópica (fora do útero). Nunca num caso de uma menina, e segundo as estatísticas, estes não são assim tão raros: 680 meninas com idades entre dez e 14 anos deram à luz em 2014. As ONG dizem que a maioria foram vítimas de violação por parentes.

A América Latina tem algumas das leis mais restritivas do aborto do mundo, com seis países a proibirem-no totalmente. No Paraguai há apenas uma excepção, a do risco para a saúde da mãe. Assim, muitas mulheres optam por fazer abortos ilegalmente (haverá entre 26 e 30 mil abortos ilegais por ano, segundo a ONU).

“Equivalente a tortura”
A CLADEM e a Amnistia Internacional pedem que uma junta médica independente avalie os riscos – que para ambas as ONG são evidentes – de um parto numa menina tão pequena. Uma mulher em idade reprodutiva (15 a 44 anos) tem uma probabilidade de morrer por complicações de parto de um em cada 310 partos. Estatísticas internacionais mostram que mães com menos de 15 anos têm um risco cinco vezes maior de morrer de complicações da gravidez e parto do que as mulheres adultas. 

Adolescentes muito jovens, com menos de 15 anos, têm riscos especiais comparado com mulheres adultas, nota Dalia Brahimi, directora da organização Ipas (de defesa dos direitos reprodutivos das mulheres), ao jornal britânico The Guardian: eclampsia (hipertensão), infecção, parto prematuro ou restrição de crescimento intra-uterino. 

De momento, a menina está num hospital da Cruz Vermelha separada da família, de Luque, uma pequena localidade perto da capital, Assunção. A mãe está presa e teme pela sua vida, porque as outras detidas a culpam por não se ter separado do padrasto, conta Elba Núñez. A única família que a menina pode ver são as suas tias, duas horas por dia.

A juíza que se ocupa do caso, Pili Rodrigués, falou por telefone ao diário El País. Invocou a Constituição, que “protege a vida desde a concepção”. Acrescentou que no Paraguai “não se conhecem casos de médicos que tenham interrompido gravidezes de meninas”, e que os médicos é que decidem. Ao juiz cabe apenas “proteger a menina, porque o pai está há muito ausente, a mãe na prisão e o padrasto em fuga”, declarou. “O que temos a fazer é voltar a accionar o sistema de prevenção para que não volte a acontecer.”

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