Na fronteira

Conheci curdos dos dois lados da fronteira sírio-turca. Não em Kobane, onde os seus peshmerga lutam valentemente contra os fanáticos do ISIS, mas em Al-Khazakeh, governadorado da Síria, e na Turquia tanto em Istambul como na Anatólia.

No extremo nordeste da Síria, caminha-se umas centenas de metros para um lado e vê-se a Turquia, uns quilómetros para o outro e vê-se o Iraque. Trezentos quilómetros para leste e estaríamos no Irão. Mas para os curdos tudo ali é Curdistão.

Na Síria de Assad, os curdos eram um dos três interditos em conversas oficiais (sendo os outros dois Israel e os próprios Assad). Só se podia falar de curdos se as autoridades abordassem o assunto primeiro. Faziam-no os políticos que queriam demonstrar poder e importância: era uma forma de surpreender os ocidentais. Porém, ao norte, os curdos olhavam com esperança para os seus compatriotas que no Iraque criavam uma autonomia cada vez mais próxima de uma verdadeira independente. E dezenas ou centenas de milhares de curdos continuavam a não ser reconhecidos pelo estado, sem direito a cidadania ou a um simples bilhete de identidade, sem direito a ter direitos.

Na Turquia, os curdos são dos mais fervorosos adeptos da adesão do país à União Europeia, embora as suas regiões sejam as mais distantes, geograficamente, da Europa. Mas pertencer à União Europeia, pensam eles, é a única boa razão para continuar na Turquia. Talvez assim sejam respeitados os seus direitos linguísticos, culturais e políticos, e talvez a Turquia se torne qualquer coisa de parecida com o estado de direito que hoje certamente não é. Eram menos invisíveis do que os curdos da Síria, mas ainda assim não deixavam de definir o regime turco da mesma forma: "diktatür".

E assim costumamos dar o salto para o terror de Kobane. Mas esquecemo-nos que quando estamos à beira de um massacre há quase sempre erros que se cometem antes. E aqui nem é preciso ir até 1923, quando o Tratado de Lausanne recuou nas promessas de independência feitas aos curdos com o Tratado de Sévres, em 1920. Não; é das culpas da atual geração de políticos que podemos falar.

Em primeiro lugar, dos políticos que rejeitaram por razões de política doméstica a aproximação entre a Turquia e a União Europeia, principalmente Merkel e Sarkozy. Ao arrepio da legalidade e da boa-fé, contra as promessas de isenção que tinham sido feitas aos turcos, e contra as próprias negociações em cursos, o que estes políticos disseram foi: por muito que a Turquia se esforce, nunca fará parte da UE. E, em resultado, o governo turco parou de se esforçar. Hoje, a União Europeia não tem nenhuma margem de manobra junto de Ancara.

Em segundo lugar, dos políticos — alguns deles os mesmos — que no início da guerra síria acharam que aquele ia ser um conflito que seria resolvido internamente de forma rápida. É essa última parte que me preocupa: tendo em vista o país que era a Síria, era evidente que, uma vez entrado em guerra, esta nunca seria rápida. Em vez de fazerem planos para uma guerra longa, para reinstalação de refugiados em larga escala, para apoio efetivo a uma oposição democrática séria, os europeus deixaram andar.

Agora, com a Síria perdida e a Turquia ausente, perguntam-nos se a solução não é urgente — e militar. Mas poderíamos não ter chegado aqui, e é bom lembrá-lo.

Historiador

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