Jornal El Mundo muda de director por "pressão do poder"

Pedro J. Ramírez, afastado do cargo, cita Tennyson e promete escrever um livro a contar tudo.

Foto

O jornal espanhol El Mundo vai mudar de director. A edição de domingo será a última da responsabilidade de Pedro J. Ramírez, disse o próprio. Na sua conta no Twitter, e em resposta a uma leitora, disse que saía por "pressão do poder".

Nas redes sociais, Ramírez comentou a sua saída do El Mundo, onde foi director 25 anos, usando as últimas linhas do poema Ulisses, de Alfred Tennyson, sobre sentir-se "Ao tempo e fado frágil, mas bem forte/ Para buscar, achar, e não perder".

El Mundo atravessa uma crise grave em duas frentes, a financeira e a de audiência. Entre Julho de 2012 e Junho de 2013, o jornal teve uma circulação média diária de 187.517 exemplares, mantendo o segundo lugar entre a imprensa generalista, mas ficando bastante atrás do El País (304.214 examplares). Em 2011, o consórcio proprietário do título, a Unidad Editorial, teve perdas de 243 milhões de euros e no ano seguinte o prejuízo foi bem maior, 526 milhões.

A prestação financeira e de vendas e circulação do jornal poderá estar na origem do afastamento de Ramírez (conhecido no meio por Pedro J.). O El Mundo é propriedade da Unidad Editorial, que foi comprada recentemente pelo grupo italiano RCS. O El País diz que só as injecções de capital da RCS permitiram à publicação dirigida por Ramírez sobreviver. E a sua saída poderá estar ligada à decisão de repensar a estratégia do El Mundo face à grave situação financeira.

Nos últimos anos, houve cortes na redacção do El Mundo e cerca de 160 funcionários foram despedidos ou dispensados; são agora 400 os seus jornalistas.

Ramírez foi um dos fundadores, em 1989, do El Mundo del Siglo XXI, o nome completo do jornal apresentado como de tendência liberal. Na década de 1990 o jornal destacou-se pelas investigações políticas que denunciaram a corrupção nos governos socialistas e a ligação destes aos GAL (Grupos Antiterroristas de Libertação, organizados para combater a ETA). Foi um adversário assumido do socialista Felipe González, um aliado de José María Aznar (conservador) e é um antagonista de Mariano Rajoy, o actual chefe do Governo conservador.

Ao longo da sua polémica carreira de director, Pedro J. Ramírez semeou inimigos em todos os espectros políticos. Por isso, o jornalista seu amigo Federico Jiménez Losantos, da estação de rádio esRadio, disse que o seu afastamento "é o triunfo dos poderes fácticos: Zarzuela [o palácio real], Moncloa [chefe do governo], Governo e oposição".

Os seus defensores lamentaram a sua saída e chamaram-lhe "jornalista artesão", um apaixonado pela informação que, de alguma forma, também foi vítima do processo de transformação e procura de caminho que o jornalismo está a viver.

Os detractores e críticos acusaram-no de parcialidade, mas, sobretudo, de ser um hábil manipulador de pessoas e informação. Em 1997, acusou os inimigos (sobretudo os socialistas ligados aos GAL) de tentativa de intimidação e assassínio de carácter por terem filmado e posto a circular um vídeo sexual em que aparece com uma mulher que não a sua (vive com a criadora de moda Agatha Ruiz de la Prada). Ganhou o caso em tribunal.

Nos últimos anos, Ramírez promoveu o lançamento da plataforma digital de conteúdos pagos Orbyt e do El Mundo de La Tarde (um vespertino). Um dos maiores escândalos de corrupção dos últimos anos, o chamado “caso Bárcenas”, sobre financiamento ilegal e pagamentos por baixo da mesa a políticos do Partido Popular, no poder (com Rajoy envolvido), foi dado por Ramírez.

Pedro J. Ramírez, que esta quinta-feira anunciou oficialmente a sua saída à redacção, é substituído por Casimiro García Abadillo, o actual subdirector. Disse que vai continuar ligado ao El Mundo como colaborador.
 
 

Sugerir correcção
Comentar