Dezenas de prisioneiros de Guantanamo sujeitos a abusos continuados

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Os abusos pararam em Abril, quando foram tornadas publicas as fotografias dos abusos de militares americanos contra detidos iraquianos em Abu Ghraib Andres Leighton/AP

Muitos dos suspeitos de terrorismo detidos na base americana de Guantanamo foram sujeitos de forma regular e continuada a tratamentos coercivos passíveis de serem considerados tortura. As conclusões são de uma investigação ontem publicada pelo "New York Times", com base em entrevistas a várias pessoas que trabalham ou trabalharam na prisão e contrariam as garantias da Casa Branca e do Pentágono que asseguram que este tipo de tratamento ocorreu apenas em casos isolados.

Os abusos, dizem todos os entrevistados, pararam em Abril, quando foram tornadas publicas as fotografias dos abusos de militares americanos contra detidos iraquianos em Abu Ghraib. O escândalo no centro de detenção nos arredores da capital iraquiana deu origem a processos em tribunais militares e abriu um aceso debate sobre as técnicas de interrogatório autorizados a partir dos atentados de 11 de Setembro.

A investigação do "NYT", como outras anteriores, indica que os métodos usados no Iraque foram exportados a partir da base de Cuba, onde os Estados Unidos detêm desde o início de 2002 perto de 600 dos suspeitos presos no âmbito da luta contra o terrorismo no Afeganistão e no Paquistão.

Muitos dos entrevistados - guardas militares, agentes dos serviços secretos e outros que pediram o anonimato - participaram ou testemunharam nos abusos, fornecendo pormenores até agora só conhecidos através de ex-detidos.

Um procedimento regular descrito por vários dos que trabalharam em Camp Delta (a maior prisão da base) consistia em obrigar os prisioneiros a permanecer em roupa interior, sentados numa cadeira com as mãos e os pés acorrentados a uma argola no chão, forçando-os a suportar luzes fortes e música rock e rap altíssima, ao mesmo tempo que o ar condicionado era ligado no máximo. "Fritava-os", descreve um responsável dos serviços secretos, explicando que as sessões duravam até 14 horas com intervalos.

Outro responsável explica que parte dos "interrogatórios intensos" se concentrava num grupo de detidos conhecidos como os "30 Sujos", tidos como as melhores potenciais fontes de informação. Nenhum dos quatro detidos que enfrentam agora acusações perante um tribunal militar vinha deste grupo. De acordo com o mesmo responsável, estes foram escolhidos por nunca terem sido sujeitos a "tratamento duro".

Para David Sheffer, membro do Departamento de Estado na Administração de Bill Clinton, onde se ocupava da área de direitos humanos, algemar detidos ao chão e obriga-los a suportar música alta e luzes fortes é tortura. "Não me parece que haja dúvidas de que tratamento deste tipo corresponde a dor intensa e sofrimento, físico ou mental, descrito na Convenção Contra a Tortura." Procedimentos idênticos ocorridos em Abu Ghraib foram considerados pela Cruz Vermelha como "comparáveis a tortura".

O escândalo do centro de detenção iraquiano motivou investigações que acabaram por tornar públicos em Julho dois memorandos oficiais onde o Departamento de Justiça e o Pentágono concluem que as leis internacionais contra o uso de tortura "podem ser inconstitucionais se aplicadas a interrogatórios" a suspeitos terroristas e que um presidente em guerra não é obrigado a aplicá-las. O segundo, concluído em Março de 2003 e aprovado pelo secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, é uma resposta às queixas de interrogadores em Guantanamo sobre a produtividade dos interrogatórios. Na resposta conclui-se que infligir dor moderada ou breve não constitui necessariamente um acto de tortura.

Já em Agosto, um relatório concluiu que as técnicas aprovadas por Rumsfeld só tinham sido usadas em duas ocasiões. O mesmo documento diz que há oito abusos de guardas de Guantanamo sob investigação. Os responsáveis ouvidos pelo jornal americano sugerem um padrão de procedimento abusivo que envolveu pelo menos durante meses dezenas de detidos.

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