A natureza continua a chorar Kim Jong-il

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A propaganda oficial faz coincidir fenómenos naturais fora do normal com a morte do líder REUTERS

A propaganda intensifica-se na Coreia do Norte, à medida que se aproximam as cerimónias fúnebres de Kim Jong-il, marcadas para quarta e quinta-feira. Até as homenagens da natureza ao falecido líder se multiplicam, como a de “uma ave branca, maior que uma pomba, que limpou a neve que cobria os ombros de uma estátua do líder”.

A notícia edificante foi reportada pela Rádio Pyongyang, e citada pela agência noticiosa sul coreana Yonhap, como demonstração da campanha de lavagem ao cérebro a que está sujeita a população do Norte.

Na segunda-feira, o jornal do Partido dos Trabalhadores, a única formação política autorizada na Coreia do Norte, tinha já noticiado outros fenómenos que só podem ser classificados como paranormais, de supostas homenagens da natureza ao “querido líder” que acabava de morrer: por exemplo, há os três voos que um grou fez em torno de uma estátua de Kim Jong-il, ou a forma como o gelo se quebrou num lago no Monto Baekdu, o seu local oficial de nascimento (“com um rugido que fez tremer o céu e a terra", segundo a agência noticiosa oficial KCNA, relata o “Financial Times”).

O envolvimento de pombas não é inédito: o “Rodong Shinmun”, o jornal oficial, publicou o relato de trabalhadores de uma fábrica de cimento que estavam a fazer o luto do “querido líder” quando surgiram duas destas aves a bicar na janela. “Ficaram nos ramos de um pessegueiro a chorar durante meia-hora”, contou o jornal, citando os operários.

Doce herdeiro

Tudo isto contribui para criar um clima emocionalmente carregado para as cerimónias fúnebres de quarta e quinta-feira, sobre as quais nada se sabe, mas que se espera que sigam o molde da coreografia concebida em 1994 por Kim Jong-il quando morreu o seu pai e fundador da Coreia do Norte, Kim Il-sung, considerado pai da nação.

A marca de Kim Jong-il deverá estar bem presente no seu próprio funeral, sublinha a jornalista norte-americana Jean H. Lee, directora da delegação da Associated Press em Pyongyang, que desde 2008 fez 11 viagens àquele país. A proeminência das Forças Armadas – com a sua política “Songun”, ou militares primeiro – deverá fazer com que o funeral inclua desfile de tropas e até mesmo de armamento.

Quanto à marca de Kim Jong-un, o herdeiro, a propaganda também já começou. Kim Il-Sung morreu em Julho, num Verão escaldante, e morreram muitas pessoas nas filas para lhe prestar as últimas homenagens. Agora que morreu o seu filho faz um frio gelado, e há previsões de neve para o funeral. A marca do terceiro Kim, amplamente publicitada pelos meios de comunicação social estatais, está a ser a distribuição de bebidas quentes.

É distribuída água quente com mel, leite de soja, chá – e há autocarros com o motor ligado em torno da praça de Pyongyang onde fica o mausoléu onde está em câmara ardente o corpo do líder falecido. É uma oportunidade para Kim Jong-un mostrar as suas credenciais como prestador de cuidados ao povo, num regime em que o culto da personalidade dos ditadores os apresenta como pais do povo.

“Ele é um homem tão meticuloso e com um coração tão gentil. A sua afeição pelo povo entristecido passará à posteridade”, sublinha a agência KCNA, sublinhando que Kim Jong-un quis ter a certeza de que a água quente estava suficientemente doce.

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