A instalação da desesperança

Uma suposta teologia fundamentalista apenas gera seguidores em ambientes de falta de cultura religiosa e, sobretudo, de falta de esperança através dos modelos de valores vigentes.

Desde 2001 que muito se tem falado sobre fundamentalismo religioso. Mais que saber e compreender os fenómenos fundamentalistas, criou-se o hábito de para aí tudo remeter, de nesse grande invólucro dar guarita a tudo o que, tendo algum aspecto religioso no seu facies, criava incómodo ou afrontava o "ocidente".

Contudo, é de desmontagem fácil a noção de fundamentalismo religioso, tal e qual ela vezes é aplicada. A leitura e interpretação literalista de Textos Sagrados não é, por si só, geradora de violência e criadora de conflitos. Uma suposta teologia fundamentalista apenas gera seguidores em ambientes de falta de cultura religiosa e, sobretudo, de falta de esperança através dos modelos de valores vigentes. E o mesmo é válido para o universo das ideologias políticas, pelo que o problema não é nem religioso, nem político, mas essencialmente social e cultural.

E é aqui, na "desesperança" que radica o centro do problema, não só dos fundamentalismos no seu todo, mas especificamente na capacidade de certos movimentos arregimentarem jovens para acções de terror com uma violência extrema.

No chamado "ocidente", são milhões os jovens sem emprego, sem perspectivas de futuro semelhante ao que foi consignado pelo American way of life que todos almejamos através da publicidade com que somos bombardeados diariamente. A verdadeira realidade do emprego, da educação, da saúde, e mesmo as visões políticas, económicas e financeiras geraram uma mole imensa de desesperançados no actual sistema de governação. Cada vez temos mais sintomas desta doença civilizacional que se manifesta, por exemplo, na grande abstenção e no crescimento dos partidos políticos radicais.

No chamado "Médio Oriente", o já referido "Ocidente", num quadro em que já nem os ditos "ocidentais" acreditavam no seu modelo, tentou-se impor normas e uma visão do mundo, o que levou aos desastres tremendos a que todos hoje assistimos. Libertou-se o Iraque de um ditador, mas deixou-se o Iraque na situação que todos conhecem, em que o auto-proclamado Estado Islâmico é apenas o último acontecimento desastroso de uma desestruturação social e cultural imposta por uma visão externa totalmente desconhecedora daquilo que fazia, muito menos das suas consequências.

Em ambos os casos, os fundamentalismos, sejam os vindos de ideologias políticas, sejam os supostamente religiosos, alimentam-se desta desesperança, desta incapacidade de gerar valores e de criar perspectivas e horizontes. Incapazes de gerar utopias que alimentem vontades positivas e gerem futuro, o "Ocidente" esvai-se em protestos internos e guerras externas.

Até onde irá correr esta sangria, é mistério para o qual nem os mais doutos especialistas dão previsões. Os desafios que se colocam nas políticas internas e externas são de natureza completamente diferente dos paradigmas anteriores.

Se até agora os radicalismos se alimentavam da fome para acenar com um futuro, um modelo, agora alimentam-se da falta de modelos e de futuros. Combater a desesperança com "mais do mesmo" apenas vai fazer alastrar o Iraque a muitos outros iraques, uns fora de portas, outros bem cá dentro.

Director da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona

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