Que se passa com a água de Beja? Cheira a terra e sabe a mofo

Empresa do Grupo Águas de Portugal confirma a presença de “microalgas, cianobactérias e actinomicetes” na rede pública, mas garante que os parâmetros de qualidade são cumpridos.

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Há mais de um mês que a água da rede pública de Beja apresenta um cheiro intenso a terra e um sabor desagradável a mofo, por vezes acompanhado de uma coloração resultante das múltiplas rupturas que se observam nas ruas da cidade.

Que se passa com a água? Esta é uma pergunta recorrente nas conversas de rua ou de café, mas que ainda não justificou um esclarecimento aos consumidores por parte da Câmara de Beja, da Águas Públicas do Alentejo (AgdA), do Grupo Águas de Portugal — entidade que fornece a água em alta aos concelhos de Beja e Aljustrel —, ou da Autoridade de Saúde do Baixo Alentejo. 

Uma cliente de um dos cabeleireiros de Beja saiu do estabelecimento adivinhando os irónicos comentários da família. Quando chegou a casa, Idalina Peralta viu o neto a “torcer o nariz” e a rir-se. “Ele olhava para mim com ar de gozo e depois disse que o meu cabelo cheirava a cadáver.”


Numa das carreiras dos transportes urbanos outra mulher comentava com o motorista o tema do momento. “A senhora para quem eu trabalho só quer que eu faça a comida das crianças com água engarrafada. Tem medo de que a da torneira lhes faça mal.”

No jardim público da cidade há quem ocupe o tempo a “dar uma olhadela” à reacção das pessoas que vão dessedentar-se no bebedouro. “Deitam-na logo fora com ar de nojo e até lhes passa a sede”, testemunha um dos vários idosos que ali procuram a sombra das árvores nestes dias de calor continuado. E já houve quem perguntasse, apontando para a bica, “se aquela água era potável” comenta um deles.

A situação anómala foi tema de discussão na última reunião de câmara, realizada na quarta-feira. A oposição socialista, pressionada pela opinião pública e porque os seus elementos também são consumidores, questionou o executivo da CDU com a pergunta que toda a gente repete: “Que se passa com a água de Beja?”

Manuel Oliveira, vereador da CDU responsável pelo pelouro do “Ambiente e Serviços Urbanos”, procurou desvalorizar a dimensão do problema, lembrando que o que se está a passar “não é nada que não tenha acontecido antes”, frisando que apesar das características organolépticas “não serem as melhores”, a qualidade microbiológica da água da rede pública “está garantida”.  

O “mau sabor e o cheiro desagradável” surgem quase sempre associados a ondas de calor e quando há mistura de água captada do lençol freático [subterrânea] com a reserva de superfície concentrada na albufeira do Roxo” como acontece na situação presente, diz o autarca, reconhecendo, contudo, que os consumidores “têm o direito a água de qualidade.”

A culpa é da “época estival e do abaixamento dos níveis de reserva de água” localizada na albufeira do Roxo, explicou ao PÚBLICO a AgdA, sublinhando que está a acompanhar, em conjunto com a Unidade de Saúde Pública, a “questão do sabor e cheiro a terra e a mofo da água fornecida a Aljustrel e Beja”. De acordo com a empresa, as análises efectuadas “confirmam o cumprimento dos parâmetros de qualidade exigidos pela legislação aplicável”. 

O problema, prossegue a empresa, “deve-se à proliferação de microalgas, cianobactérias e actinomicetes ”, consequência directa da “época estival e do abaixamento dos níveis na albufeira do Roxo.”  A substancial redução da reserva de água que recebe as escorrências de uma bacia hidrográfica condicionada por uma intensa actividade agrícola e pecuária traduz-se na “produção de compostos orgânicos (…) responsáveis pelo cheiro a terra e a mofo na água para consumo humano” salienta a AgdA. 

A Autoridade de Saúde Pública confirma a presença de “alguns tipos de algas, bactérias e protozoários” na albufeira do Roxo, mas garante que “não há registo de intoxicação em seres humanos.” Mesmo assim já apresentou várias “recomendações ” para anular os efeitos que conferem “odor e sabor à água”, e que requerem a alteração de vários procedimentos na Estação de Tratamento de Água (ETA) do Roxo, nomeadamente nos processos de oxidação daqueles compostos, a utilização de carvão activado e a monitorização frequente do fitoplâncton. 

A  AgdA diz ter “reforçado” o programa de vigilância analítica da água, recomendado pela entidade médica. No entanto, as condições de funcionamento da ETA do Roxo, instalada pela Câmara de Beja no final dos anos 80, já implicaram a “substituição” total da areia dos filtros utilizados na depuração da água e o “aumento da frequência da lavagem e higienização de todos os órgãos de tratamento, em particular dos decantadores.” 

As mudanças na ETA obrigaram ainda à reabilitação da torre de tomada de água, incluindo a instalação de novas comportas. No entanto a condição obsoleta de alguns equipamentos requerem uma intervenção mais profunda, que passa pela “reabilitação da ETA do Roxo” estando previsto para “muito curto prazo” o lançamento do respectivo concurso público, assinala a AgdA.  

Ficou por explicar porque não foi accionado o reforço do armazenamento na albufeira do Roxo a partir de Alqueva. A Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA) confirmou ao PÚBLICO não ter recebido qualquer solicitação nesse sentido em 2014 e 2015, apesar de estar em condições para efectuar a operação.

Neste momento, a albufeira do Roxo tem cerca de 38 milhões de metros cúbicos de água, pouco mais de um terço da sua capacidade máxima de armazenamento, e como justificou a Agda a “época estival e do abaixamento dos níveis na albufeira do Roxo” contribuíram para a “proliferação de microalgas, cianobactérias e actinomicetes”.

 

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