Grupo de cidadãos quer ajudar a salvar as lojas históricas de Lisboa

Membros do Fórum Cidadania Lx criaram uma plataforma que junta lojas com mais de meio século em torno de um objectivo: travar a tendência de desaparecimento destes espaços e revitalizar o comércio tradicional.

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A Casa Pereira da Conceição vende chás, café e chocolates — e também leques — na Rua Augusta desde 1933 Miguel Manso

Nalguns casos foi a crise, noutros foi o aumento das rendas que obrigou os proprietários das lojas antigas de Lisboa a fechar as portas, pondo fim a décadas de história. Para tentar contrariar esta tendência e desenhar uma estratégia de sobrevivência para os espaços que resistem, um grupo de cidadãos criou o Círculo de Lojas de Carácter e Tradição de Lisboa, do qual já fazem parte 20 lojas.

“Estava farto de ver lojas a fechar, algumas faziam parte da história da cidade”, diz Carlos Leite de Sousa, de quem partiu a ideia de criar o Círculo. Juntaram-se-lhe mais cinco pessoas, que em comum têm o facto de pertencerem ao movimento cívico Fórum Cidadania Lx. Decidiram avançar no final do ano passado, convidaram algumas lojas para se tornarem fundadoras, e vão apresentar a iniciativa ao público nesta quarta-feira, na Livraria Férin, às 18h.

O objectivo, segundo Carlos Leite de Sousa, é sobretudo promover a história e a actividade destas lojas “para que a cidade não as perca”. Para integrarem o Círculo, os espaços têm que estar situados em Lisboa, ter a mesma actividade e marca há pelo menos 50 anos, vender artigos “de excelência, não obrigatoriamente de luxo” e “ser uma referência histórica e/ou artística”, nomeadamente ao nível da arquitectura ou da decoração.

A loja tem também de assumir um compromisso “ético e ambiental” ou então ser “única”. Ou seja, pode ser a única loja com determinada actividade – como a Luvaria Ulisses, na Baixa, aberta desde 1925. Ou ser indissociável do local onde se encontra, como os antiquários de São Bento ou as retrosarias da Rua da Conceição. No Círculo há também lugar para “lojas com memórias”, onde tenham ocorrido factos históricos.

A adesão das lojas ao Círculo é gratuita, tendo apenas que ser aceite por quatro dos seis elementos do Fórum Cidadania Lx – que são, além de Carlos Leite de Sousa, Paulo Ferrero (membro fundador do movimento), Guilherme Pereira, Inês Beleza Barreiros, Inês Matoso e Mariana Ferreira de Carvalho. A adesão pressupõe a inclusão da loja e da sua história no site do Círculo, que servirá para divulgar as memórias vivas dos actuais donos e as memórias passadas, através de fotografias ou documentos.

Segundo Leite de Sousa, cada estabelecimento será estudado individualmente, mas o objectivo do grupo é pôr em prática uma estratégia colectiva para estas lojas tradicionais. Os promotores do Círculo pretendem apostar, por um lado, na divulgação dos espaços juntos dos turistas através de uma parceria com a Associação de Turismo de Lisboa, e por outro lado na formação dos gerentes e funcionários.

“Queremos criar uma plataforma de colaboração para os trabalhadores poderem ‘reciclar’ a forma de se posicionarem perante os clientes”, explica Leite de Sousa, acrescentando que a equipa (cujo trabalho não é remunerado) está a analisar a possibilidade de estabelecer acordos com entidades que possam dar formação. Outra medida é a criação de um autocolante identificativo para colar na porta de cada espaço, avisando os clientes de que estão a entrar numa loja do Círculo.

Os mentores do Círculo também procuram entidades que queiram apoiar, enquanto mecenas, a remodelação e revitalização de alguns espaços, sempre mantendo a traça original. Leite de Sousa dá como exemplo o espaço da Ourivesaria Tous-Aliança, no Chiado, cuja traça e decoração foram preservadas ao longo do tempo mesmo depois de encerrada a histórica Ourivesaria Aliança, em 2012. “É espantoso o que a Tous fez no espaço, mantendo tudo como estava”, diz.

Além desta ourivesaria, foram convidadas outras 19 lojas para a lista de fundadoras. Entre elas está por exemplo a Casa Achilles, que vende ferragens no Príncipe Real; a Casa Xangai, que vende enxovais de bebé na Avenida da República, a Sapataria do Carmo, no Largo do Carmo; ou a Casa Pereira da Conceição, que vende chás, café e chocolates em plena Rua Augusta. Algumas destas lojas estão protegidas através do Plano Director Municipal ou classificadas como imóveis de interesse público.

Carlos Leite de Sousa diz que esta iniciativa é autónoma e não tem qualquer relação com a Câmara de Lisboa, que aprovou recentemente a criação de um grupo de trabalho para concretizar o Programa "Lojas Com História". Este grupo, que vai incluir técnicos municipais dos departamentos de planeamento urbano, património cultural e actividades económicas, vai caracterizar, mapear e definir critérios para a classificação de "Lojas com História" na cidade, fazer o levantamento das que se enquadram nesses critérios, e desenhar uma "marca activa e identitária" a partir da qual serão produzidos conteúdos - nomeadamente um guia - e artigos sobre as "Lojas com História".

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