Barragens, conservação da natureza e o resto (1)

O que me interessa, nesta série de artigos, é mesmo o resto.

A relação entre as barragens e a conservação da natureza é difícil.

Tal como a relação entre a agricultura, as florestas, as estradas, os foguetões, os computadores, os animais de companhia e os direitos dos animais.

Se algumas actividades fortemente impactantes nos recursos naturais, como ter gatinhos em casa, não são vistas como destruidoras de sistemas naturais - apesar da alimentação animal ser um dos principais destinos da pesca intensiva, que está a depauperar a biodiversidade dos oceanos e mares -, outras, como as barragens, são entendidas como horrorosamente desprovidas de qualquer utilidade que não seja o lucro “deles” à custa do “nosso” património natural.

Por isso ter animais em casa é uma actividade muito pouco regulamentada, apesar do seu impacto devastador nos sistemas naturais, e fazer barragens implica um grande esforço de planeamento e obtenção de licença.

No licenciamento da actividade de construção e exploração de barragens inclui-se, e bem, a necessidade de garantir a conservação dos valores naturais.

Tudo isto é bastante mais difícil de fazer que de dizer, a natureza é complexa, os impactos são difíceis de avaliar e muito mais difíceis de compensar, sendo que os riscos de que as medidas compensatórias falhem são elevadíssimos.

Por isso a solução de compensação é um último recurso, quando tudo o resto foi devidamente avaliado e se esgotaram os mecanismos anteriores para evitar os estragos: não autorizar o projecto, se tiver impactos importantes sobre valores protegidos; fazê-lo mas com medidas de minimização dos impactos para os evitar, avaliar e escolher alternativas, se o projecto for mesmo necessário; ou, em último caso e apesar dos impactos, autorizar o projecto com impactos negativos, se ele for mesmo imprescindível e não existirem alternativas.

Só então se devem discutir medidas de compensação, quando se concluiu que o projecto é imprescindível, que não existem alternativas razoáveis e que o projecto tem impactos negativos em valores protegidos.

Sensatamente, a legislação comunitária que regulamenta estas questões preocupa-se em garantir que as medidas compensatórias se dirijam e tenham efeito directo sobre os tais valores protegidos.

A compensação deve dirigir-se estritamente aos valores afectados e deve ser desenhada de modo a que garanta impactos positivos duradouros e sustentáveis nesses valores, de grandeza tal que compensem os impactos negativos previstos.

Ora é sobre a caricatura que Portugal fez deste sistema, pondo no centro da questão a captação ilegítima de riqueza pelos mesmos do costume, que se vai debruçar a série de crónicas que escreverei, começando pelo inenarrável “Parque Natural Regional do Tua”.

 

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