Uma jornada de atletismo com muitas perguntas (e respostas imprevisíveis)

Mo Farah confirmou o favoritismo mas só na recta final garantiu o ouro frente ao tradicionais rivais quenianos

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Elaine Thompson Reuters
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Final dos 100m Reuters
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Nafissatou Thiam Reuters
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Dafne Schippers Reuters

Eram várias as perguntas que os adeptos do atletismo, e os mais avisados do desporto em geral, se poderiam colocar antes da jornada desta tarde/noite no Rio, madrugada em Portugal, no culminar do segundo dia do atletismo olímpico. Seria Dafne Schippers, a loura holandesa voadora, capaz de bater as grandes velocistas negras, americanas e jamaicanas, na final feminina dos 100m? Iria o britânico nascido no Sudão Mo Farah manter-se incólume nos 10.000m face aos tradicionais rivais africanos, quenianos e etíopes, e a sua velocidade terminal faria de novo a diferença para a reedição do título olímpico de Londres nessa distância? Seria Greg Rutherford capaz de dar uma resposta aos seus detractores, que não acreditam ser ele o número um mundial do salto em comprimento? E ainda quanto a uma terceira grande figura britânica, iria Jessica Ennis-Hill repetir o triunfo no heptatlo dos Jogos de 2012, agora que já é mãe e enfrenta uma nova geração de atletas completas?

As respostas foram: Não, sim, não e não.

Dafne Schippers é cotada como uma atleta mais forte nos 200m do que no hectómetro e esta temporada já perdeu um bom par de vezes para as velocistas das Américas. Mas a sua evidente subida de forma desde há um mês e meio para cá fazia prever que pudesse colocar em questão a superioridade de jamaicanas e americanas, até porque a jamaicana Shelly-Ann Fraser-Pryce, que procurava um inédito terceiro título olímpico nos 100m, ainda não se encontraria na melhor condição possível, na ressaca de uma lesão. Porém, colocada na pista oito na final, ao fim da tarde, Schippers atrasou-se imenso até metade da prova, enquanto na frente fugiam as jamaicanas Elaine Thompson e Shelly-Ann Fraser. Thompson acabaria por ganhar com clareza em 10,71s, face ao forte regresso da americana Tori Bowie (10,83s), e Fraser seria terceira com 10,86s, vencendo de novo a Jamaica ao confronto na velocidade com os Estados Unidos. Schippers ainda acabou em quinta (10,90s), mas visivelmente furiosa consigo própria, e a prometer que nos 200m o cenário irá ser diferente.

Quanto a Mo Farah nem uma queda o impediu de renovar o título olímpico dos 10 000m. Viveu-se o espectáculo habitual com as esquadras do Quénia (Geoffrey  Kamworor, Paul Tanui e Bedan Karoki) e da Etiópia (Tamirat Tola, Yigrem Demelash e Abadi Hadis) a revezarem –se na frente para desgastar o britânico, mas o maior desgaste ia sendo provocado pelo seu colega de treino americano Galen Rupp, que ainda bem cedo na prova o derrubou involuntariamente Farah levou um toque na cabeça sem consequências, levantou-se de imediato e continuou, e à medida que havia iniciativas na frente ia-lhes dando fácil cobertura. À entrada para a volta final ficaram cinco na frente e a breve trecho eram três. E mesmo quando Paul Tanui entrou na recta final no comando nunca houve dúvidas de que Farah triunfaria ao sprint. Fê-lo com uma facilidade desconcertante em 27m05,17s, Tanui, logo a seguir, conseguiu a sua terceira grande medalha seguida, depois do bronze nos Mundiais de 2013 e 2015, com 27m05,64s, e Tamirat Tola ficou com o terceiro lugar, com 27m06,27s. Para trás quedava-se Goeffrey Kamworor, à partida considerado o potencial maior rival de Farah, na base do seu triunfo claro sobre o britânico nos Mundiais de meia maratona a de finais de Março. Largado muito cedo, Kawmworor seria apenas 11.º.

Greg Rutherford, o segundo britânico aqui em equação e que participou no “glorious Saturday” de Londres 2012, quando os da casa obtiveram três títulos seguidos no atletismo, tinha tido uma qualificação periclitante e só repescado chegou à final desta madrugada. Ficou sempre a sensação de que não estava completamente bem do ponto de vista físico, e do lado psíquico a confiança parece ter entrado em baixa. Mas começou a final desta madrugada com um bom salto a 8,18m e acabou por andar sempre na disputa de uma medalha, numa prova com evolução volátil. Após várias mudanças o concurso pareceu resolvido com outra surpresa, graças ao salto do sul-africano Luvo Manyonga a 8,37m, no quinto ensaio. Ainda ficava uma hipótese para o maior favorito mudar as coisas e o americano Jeff Henderson aproveitou o último ensaio para chegar a 8,38m, e passar para a frente. A resposta de Rutherford foi boa, com 8,29m, mas chegou apenas para a medalha de bronze.

Jessica Ennis, por seu lado, entrou melhor que todas na prova de 100m barreiras, logo no início do heptatlo, e mostrou-se regular, sem brilhar particularmente em qualquer disciplina. Mas já se sabe que o lançamento do dardo, penúltima prova do programa, é o seu verdadeiro calcanhar de aquiles, e ela partia por detrás, na pontuação (5018p a 5013p), face à belga Nafissatou Thiam, que no salto em comprimento tivera com 6,58m inesperada vantagem, tanto sobre ela (6,34m) como sobre a outra britânica, Katarina Johnson-Thompson (6,51m). Agora no dardo, apesar de Ennis ter estado normal, com 46,06m, Thiam arrancou um recorde pessoal a 53,13m que lhe permitiu entrar para a derradeira disciplina do heptatlo, os 800m, com 142 p de avanço sobre a inglesa. Apesar da galhardia de Ennis, que comando toda esta prova para a ganhar e recupera pontos face à belga, a diferença para Thiam encurtou de facto mas esta manteve nas mãos o antecipado título olímpico, com o grande total de 6810p, melhor mundial do ano e recorde belga. Ennis somou 6775p, o seu melhor desde o regresso há ano e meio de maternidade, e a canadiana Brianne Theisen-Eaton ficou em terceira com 6653p. A outra britânica, Katarina Johnson-Thompson, que a par de Nafissatou Thiam havia transposto na véspera a maior fasquia de sempre no salto em altura dentro de um heptatlo, com 1,98m, recorde nacional inclusivé, pagou a sua fraqueza nos lançamentos, e em particular no dardo (36,36m), com a queda para a sexta posição.

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