Manaus, Texas

Porque será que um americano de estatura elevada e tez clara a circular por um restaurante elegante de Manaus, numa noite de sábado, com uma t-shirt amarela da Nike de mangas cavadas, braços musculosos, calções, chinelos, barba mal aparada e um enorme crucifixo de madeira ao peito não me pareceu tão incrivelmente descontextualizado? É que a “ilha” urbana da Amazónia esteve repleta de filhos do tio Sam por estes dias e este local no centro da cidade atraiu-os em grande número. “Gringos” que pareciam personagens ficcionais saídos de uma grande produção de Hollywood.

Em praticamente todas as mesas havia exemplares estereotipados ainda que menos extremos do que aquele que deambulava dengoso pela sala. O estilo executivo ruivo, de fato e gravata, a falar ininterruptamente ao telemóvel, os mais típicos turistas de camisas havaianas ou os genuínos texanos com o característico acento sulista em cada frase e chapéu de cowboy. Eram muitos e de vários cantos da América. Confirmava-se a invasão anunciada de 35 mil estado-unidenses que iriam assistir ao jogo com Portugal, no dia seguinte. Os poucos clientes locais olhavam timidamente em redor, esmagados pela força da maioria. Eram estranhos na sua própria terra.

Manaus tornou-se por momentos num fragmento da América. Dominam cada esquina, botequim e atracção turística e até chega às populações indígenas que fazem vida nas margens dos rios perto da cidade, como constatei numa rápida visita. No hotel onde estou instalado, era raro o falante de português e, mesmo a este nicho linguístico, o staff dirigia-se em inglês por via das dúvidas. A cada hora chegavam mais autocarros a descarregar dezenas de visitantes com o rótulo “USA” na testa e disseram-me que era assim em todas as unidades hoteleiras da cidade. Pelo menos nas mais conhecidas. Os taxistas acharam-nos arrogantes, mal-educados até, mas são generosos nas gorjetas e isso pesa na avaliação, diluindo eventuais descortesias.

No dia do jogo, junto ao estádio, o peso americano intensificou-se ou, pelo menos, concentrou-se. A conclusão que se pode tirar é que, sem dúvida, o soccer está a ganhar terreno num dos raros espaços geográficos do globo que se mantinha obstinadamente indiferente ao charme do pontapé na bola. Nas imediações da Arena da Amazónia o cenário era de Super Bowl tropical. E, no meio desta multidão, até identifiquei algumas caras conhecidas da Sétima Arte: o Super-Homem, a Super-Mulher e o Capitão América!

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