Da maternidade para a maratona

Pela primeira vez, Mary Keitany teve os dois filhos à espera na meta. Maratonista queniana conquistou terceira vitória consecutiva em Nova Iorque

Foto
Terceira vitória consecutiva para Mary Keitany em Nova Iorque Reuters/MIKE SEGAR

Havia um lugar na história à espera de Mary Keitany mas não foi para ele que a maratonista queniana correu direitinha. Pela terceira vez consecutiva venceu a Maratona de Nova Iorque, um feito que desde a década de 1980 nenhuma atleta obtinha — a norueguesa Grete Waitz, que acumulou um total de nove triunfos, fora a última a consegui-lo. Mas o que Keitany realmente procurava, na meta, eram os filhos: Jared, de nove anos, e Samantha, com três. A presença deles em Nova Iorque, pela primeira vez, foi a maior motivação para a segunda melhor atleta da história mundial na maratona.

“O nascimento do Jared e da Samantha significou para mim uma paragem de um ano nos treinos. Parei ao terceiro mês de gravidez e regressei quando eles fizeram seis meses”, recordava Keitany antes da prova de domingo. “Durante a minha ‘licença de maternidade’ senti muita falta de correr, porque para mim não é só um trabalho, mas uma verdadeira paixão. Quando voltei a correr após o nascimento do Jared passei mal. Sentia-me pesada, mesmo os ritmos mais lentos eram difíceis. Após a segunda gravidez foi tudo menos complicado. A experiência anterior deu-me maior confiança”, acrescentava.

Mary Keitany impôs-se em Nova Iorque com uma marca de 2h24m26s – e não foi a primeira vez que uma mãe fez boa figura na maratona da Big Apple: a portuguesa Sara Moreira teve o primeiro filho em 2013 e foi terceira classificada em 2014 e quarta em 2015. “Ganhar três vezes significa muito para mim. Não foi fácil, mas consegui”, sublinhou a queniana.

A corrida não esteve sempre nas prioridades de Mary Keitany. Nascida em pleno Parque Nacional do Vale Kerio, perto de Iten — berço de alguns dos melhores corredores de fundo do mundo —, a queniana só começou quando foi incentivada por uma das irmãs mais velhas. “Vi que ela tinha talento e pensei que também podia tentar”, confessou Keitany. A irmã abandonou a corrida quando entrou para a escola, enquanto a campeã de Nova Iorque começou a dedicar-se mais seriamente nessa fase. Foi por volta dos 18 anos, quando estudava no secundário, que começou a treinar-se mais metodicamente.

A estreia internacional aconteceu passados seis anos, com um primeiro lugar na meia-maratona de Sevilha. Keitany foi acumulando experiência (e vitórias) nesta distância, antes da paragem em 2008 devido ao nascimento de Jared. No regresso trazia objectivos mais ambiciosos: “Tínhamos em vista o recorde do mundo na BIG 25 em Berlim”, indicava o treinador Gabriele Nicola à revista especializada Track & Field News. Missão cumprida com distinção: 1h19m53s na prova alemã, em Maio de 2010, continuam a valer a Keitany o recorde mundial nesta distância.

A próxima etapa era a maratona e a estreia foi muito prometedora. Na maratona de Londres a atleta queniana impôs-se com clareza, em 2h19m19s. Quatro meses depois, novamente na capital britânica mas na prova dos Jogos Olímpicos, teve de contentar-se com um quarto lugar (2h23m56s). O regresso à maratona de Londres, em 2012, foi inesquecível: Keitany venceu com 2h18m37s, tornando-se na segunda mulher mais rápida de sempre na prova rainha do atletismo, apenas atrás da britânica Paula Radcliffe.

“Talvez um dia esteja em condições de atacar o recorde mundial da maratona”, admitiu Keitany à Track & Field News. Em nenhuma das três vitórias consecutivas em Nova Iorque a atleta queniana conseguiu aproximar-se das 2h15m25s que desde 2003 valem a Radcliffe o recorde mundial. “A Mary tem potencial para lá chegar no futuro. Isto não quer dizer que ela bata o recorde, mas não há muitas atletas que possam pensar nisso”, sublinhou Gabriele Nicola. “Só temos uma Mary Keitany de 20 em 20 anos”, acrescentou o treinador.

Os sucessos em Nova Iorque servem de motivação à atleta e mãe, que no próximo mês de Janeiro completará 35 anos. Os treinos, mais ou menos longos, são feitos em família — é casada com Charles Koech, que já correu uma meia-maratona em 1h01m27s. “Às vezes treinamos juntos. Temos uma ama para cuidar das crianças”, contou Keitany.

Sugerir correcção
Comentar