À míngua do Tribunal Arbitral do Desporto: a história de um equídeo

1. Enquanto, com a lenta passada imposta pela lei, o célere Tribunal Arbitral do Desporto tenta alcançar a sua efectiva instalação – todos os prognósticos são temerários (Novembro de 2015? Janeiro de 2016?) –, os tribunais estatais lá vão, sem “celeridade e especialização”, resolvendo múltiplos conflitos que o desporto vai gerando.

Se olharmos para os últimos quatro meses, a produção foi de quantidade e de nível assinalado. De tudo se ocuparam os tribunais: seguro desportivo, acidentes de trabalho de praticantes desportivos profissionais, impostos, contrato de trabalho desportivo, federações desportivas, ligas profissionais, dopagem, direitos de imagem e tantos outros assuntos.

Excluindo, neste espaço, os aspectos processuais, vejamos o que decidiu um dos tribunais superiores num caso de “dopagem de equídeo”.

2. Um proprietário de um cavalo, praticante em diversas provas hípicas, sócio de uma associação privada, sem fins lucrativos, viu o animal ser sujeito a um controlo antidopagem, tendo sido detectadas substâncias dopantes. Por isso, veio a ser punido pela associação. Contudo, intentou uma acção, defendendo aí a anulação da sanção. Obteve, do tribunal, provimento. A associação, ao invés de executar a decisão do tribunal, notificou o proprietário de um novo processo disciplinar, com base nos mesmos factos, alcançando, de novo, a mesma sanção. É com esta situação que o proprietário do equídeo vem de novo a tribunal, com vista a que este declare nula a segunda decisão disciplinar e anule a sanção.

3. O Tribunal direcciona a sua atenção para três questões fundamentais: se o novo processo ofende o princípio do caso julgado, se tinha caducado o processo disciplinar e ainda se a associação tinha o direito de exercer a acção disciplinar.

4.Quanto à primeira, o Tribunal deriva para o princípio do non bis in idem, isto é, para a impossibilidade de alguém ser objecto de novo procedimento disciplinar pela mesma infracção. Entende, porém, o Tribunal que pode ser renovado um processo disciplinar desde que um anterior não tenha sido definitivo. A primeira decisão punitiva, na leitura do acórdão, não será “transitada em julgado”.

5. Depois de viajar pelas normas nacionais sobre a dopagem e ainda sobre o Código Mundial Antidopagem, o Tribunal decide que tais registos normativos não são aplicáveis à associação e, consequentemente, não recolhe a caducidade do procedimento disciplinar.

6. Por último, reafirma que a ré, não obstante o anteriormente dito, titula um poder disciplinar próprio, com base no vínculo associativo que a ligue aos seus sócios.

7. Assim vai o Desporto e o Direito, em acção.

josemeirim@gmail.com


 

 

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