Houve canibalismo na colónia inglesa de Jamestown

No Inverno de 1609-1610, numa colónia na América do Norte houve actos de canibalismo, mostram vestígios ósseos agora encontrados.

Crânio de Jane onde se vêem cortes
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Crânio de Jane, com as marcas de cortes Donald Hurlbert/Smithsonian Institute
Mandibula de Jane
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Mandíbula de Jane Donald Hurlbert/Smithsonian Institute
Cortes feitos na mandíbula
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Cortes na mandíbula Donald Hurlbert/Smithsonian Institute
Reconstituição de Jane, a jovem inglesa de 14 anos que morreu na colónia de Jamestown
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Reconstituição de Jane, a jovem inglesa de 14 anos que morreu na colónia de Jamestown Donald Hurlbert/Smithsonian Institute

As descrições falam de um Inverno terrível, o de 1609-1610, na colónia inglesa de Jamestown, na Virgínia. Havia uma seca de vários anos, as tribos índias atiravam aos ingleses para matar, mesmo a água dos poços não seria potável. A população estava no limite. Os cavalos, os cães, os gatos, as cobras e as ratazanas tornaram-se alimentos. Até o couro dos sapatos serviu de comida, segundo os relatos. Agora, a descoberta arqueológica de parte do crânio e de uma tíbia de uma jovem inglesa de 14 anos mostrou que o derradeiro tabu tinha sido ultrapassado: os colonos ingleses praticaram canibalismo naquele horrível Inverno.

Jamestown foi uma das várias colónias inglesas na América do Norte, fundada em 1607. A seca e a incompatibilização com as tribos índias fizeram com que, no Inverno de 1609, os ingleses estivessem isolados dentro das muralhas da colónia, que ficava junto ao rio James. Nesse Inverno, 80% da população morreu, segundo a revista National Geographic.

Entre esses mortos estava a jovem Jane, uma inglesa cuja tíbia e parte do crânio foram encontrados no local arqueológico de Jamestown pela equipa liderada por William Kelso, do Projecto Redescoberta de Jamestown, e por James Horn, do Centro de História Colonial de Williamsburg, na Virgínia, Estados Unidos.

Estes vestígios encontraram-se no que em tempos foi uma cave, junto com ossos de cavalos e cães, que foram devorados pelas pessoas. Os ossos da jovem inglesa foram enviados para o Museu Nacional de História Natural, do Instituto Smithsonian, na cidade de Washington, onde o antropólogo forense Douglas Owsley analisou os vestígios. O crânio da rapariga tinha vários cortes na face, marteladas no osso da testa e na base do crânio. O objectivo seria retirar o cérebro, os músculos da bochecha e a língua. Partes que entravam em receitas gastronómicas do século XVII, refere um comunicado do museu.

“Os fragmentos de osso recuperados têm padrões de cortes e de pancadas que mostram uma completa falta de hábito em preparar a carne”, diz Douglas Owsley. “No entanto, há uma intenção clara de desmembrar o corpo e remover a carne e o cérebro do crânio para o consumo”, acrescenta o antropólogo, citado pela revista Wired. “Pela experiência que tenho com esqueletos pré-históricos, [as marcas nos restos de Jane] são absolutamente consistentes com os actos de canibalismo encontrados nesses casos [pré-históricos].”

Naquela altura, houve relatos de canibalismo em Jamestown, mas nunca se tinham encontrado provas físicas. Os investigadores defendem que é provável que Jane já estivesse morta quando o corpo foi alvo de canibalismo.

“Esta descoberta é fenomenal”, considera Julia King, arqueóloga da Faculdade de St. Mary de Maryland, que estudou estas colónias do século XVII. Em declarações à revista Science, a investigadora diz que isto obriga a uma reviravolta no estatuto do índio norte-americano, considerado selvagem pelos colonos europeus. “Há provas de que as pessoas civilizadas [os europeus] foram forçadas ao canibalismo.”
 
 
 
 
 
 

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