Opinião: Resolvidos dois problemas cosmológicos de uma só vez

Esta segunda-feira foi anunciada pela colaboração BICEPS 2 (Background Imaging of Cosmic Extragalactic Polarization 2) a descoberta de ondas gravitacionais primordiais, vindas do início do nosso Universo. A presença destas ondas foi detectada medindo os seus efeitos na luz da radiação cósmica de fundo. Esta descoberta, que é tecnicamente muito complexa, é uma das maiores descobertas das últimas décadas e de uma só vez resolve dois problemas.

Primeiro, mostra que o modelo inflacionário do Universo está correcto. O modelo prevê que, quando nasceu, o Universo sofreu uma fase de crescimento muito rápido e violento. Esta fase é chamada “expansão inflacionária” e é devida à existência de um campo escalar, chamado de inflatão. Segundo, foi durante esta fase que as ondas gravitacionais primordiais foram geradas e por isso a descoberta mostra que ondas gravitacionais existem! Estas ondas viajam à velocidade da luz e são pequenas flutuações no tecido espaço-temporal.

A forma como esta detecção foi concebida e efectuada é tão espectacular que vale a pena ser mencionada brevemente. O efeito da inflação primordial é suavizar, tornando o Universo num universo plano e homogéneo em grande escala. No entanto, o princípio de incerteza de Heisenberg diz que num sistema quântico existe sempre uma ínfima quantidade de flutuação ou perturbação que não pode ser retirada.

O Universo primordial era um sistema essencialmente quântico e nele existiam duas interacções fundamentais, a interacção devido ao campo escalar inflatão e a interacção gravitacional. O inflatão acabou por se transformar na matéria e na radiação usuais que observamos e de que somos feitos, e as suas flutuações deram origem às galáxias e estrelas. Estas flutuações ficaram imprimidas na radiação de fundo cósmico, uma relíquia electromagnética do Universo quando ainda era jovem. As flutuações no outro campo fundamental, o campo gravitacional, também deixaram as suas marcas. É a interacção destas flutuações do campo gravitacional com a radiação cósmica de fundo que foi agora detectada. Vejamos este ponto.

Grosso modo, a radiação electromagnética possui uma propriedade chamada “polarização”. Esta polarização define uma direcção perpendicular à propagação da onda. Quando as oscilações da matéria e do campo gravitacional interagem com a radiação cósmica de fundo, vão provocar certos estados de polarização nesta que podem ser observados na Terra pelos nossos telescópios.

Contudo, somente o campo gravitacional, ao interagir com a radiação, produz um modo de polarização distinto, chamado de modo-B. Por outro lado, tanto a matéria como o campo gravitacional, ao interagirem com radiação cósmica de fundo produzem o modo-E de polarização. A grande dificuldade da experiência era precisamente separar o sinal oriundo do modo-B do sinal oriundo do modo-E. Isso foi feito com sucesso, e podemos agora afirmar que as ondas gravitacionais tiveram efeitos reais na radiação cósmica de fundo. Assim, a radiação cósmica de fundo actua como um detector de ondas gravitacionais. É neste sentido que podemos dizer que temos uma detecção directa de ondas gravitacionais.

As ondas gravitacionais tinham sido previstas por Einstein em 1916. Uma detecção indirecta destas ondas tinha sido efectuada pelos astrofísicos Hulse e Taylor da Universidade de Princeton, usando um sistema binário de estrelas pulsares em que a perda de energia observada da órbita das estrelas está de acordo com as previsões da teoria geral da relatividade. Essa descoberta valeu-lhes o prémio Nobel de 1993.

A geração de ondas gravitacionais primordiais juntamente com a inflação previu-se no princípio da década de 1980 por vários grupos de cientistas, a saber, por Rubakov, Sazhin e Veryaskin, por Fabbri e Pollock, e por Abbott e Wise. Mais tarde, em meados da década de 1990, foi também previsto que os modos-B forneceriam uma assinatura distinta da existência de ondas gravitacionais primordiais, por dois grupos de cientistas, a saber, por Seljak e Zaldarriaga, e por Kamionkowski, Kosowsky e Stebbins. Estas ondas foram finalmente detectadas pela colaboração BICEPS 2, liderada por John Kovac na Universidade de Harvard.

Estes resultados vão ter um grande impacto em toda a comunidade internacional e nacional de cosmologia e astrofísica e certamente vão estimular muitas novas observações, em particular de ondas gravitacionais.
O Centro Multidisciplinar de Astrofísica (CENTRA) trabalha directamente no tópico, com um grupo internacionalmente forte tentando perceber como é que são produzidas as ondas gravitacionais de origem cosmológica, mas também as produzidas por estrelas e buracos negros e detectadas em telescópios terrestres e espaciais. Esta descoberta vai certamente estimular o CENTRA e a comunidade em geral.

Centro Multidisciplinar de Astrofísica (CENTRA) e Departamento de Física do Instituto Superior Técnico

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