Apesar de os interlocutores governamentais terem mudado, “parece haver condições” para negociar o acesso dos agricultores de Huelva à água armazenada em Alqueva, admitiu María José Rico, subdelegada do Governo na região espanhola, em entrevista concedida ao diário Viva Huelva, no passado dia 28 de Abril.
Rico garantiu ao órgão de comunicação onubense que o Ministério da Transição Ecológica e Desafio Demográfico (Miteco) enviou há 15 dias uma carta ao recém-formado Governo português a propor uma reunião para se chegar a um acordo que possibilite a captação de água no Pomarão, mais precisamente na confluência do rio Chança com o rio Guadiana e junto à linha de fronteira entre os países ibéricos.
No decorrer da cerimónia inaugural da 40ª Feira do Alentejo – Ovibeja, o PÚBLICO perguntou a Maria da Graça Carvalho, a actual Ministra do Ambiente e Energia, que acompanhou o primeiro-ministro Luís Montenegro, se confirmava o pedido que teria sido formulado pelo Miteco. A governante garantiu não ter recebido a carta referida por María José Rico, adiantando ainda que os dois ministérios do Ambiente vão reunir em breve “para discutir outros assuntos”, sem especificar quais.
Não é a primeira vez que as autoridades andaluzas reclamam o acesso à água da barragem de Alqueva. A ex-ministra da Agricultura e Pesca, Alimentação e Meio Ambiente, Isabel García Tejerina, também já tinha recusado em 2016 propor a Portugal a possibilidade de a água do Alqueva ser encaminhada para a província de Huelva, alegando que esta solução não constava do Plano Hidrológico da Bacia Tinto-Odiel e Piedras.
Em Outubro de 2023, o parlamento da Andaluzia repetiu o mesmo pedido, aprovando com cem votos a favor, cinco abstenções e dois contra, uma indicação ao Governo central para que solicitasse a Portugal uma transferência temporária de direitos de água para a rede hidrográfica de Tinto-Odiel-Piedras-Chança. A província de Huelva debatia-se com uma situação de seca extrema.
Por se tratar de um pedido a outro Estado, o Governo andaluz instou o executivo central a fazê-lo. A ministra da Transição Ecológica e Desafio Demográfico, Teresa Ribera reagiu em Novembro de 2023 à solicitação, considerando “quase impossível” a transferência de água a partir de Alqueva com um argumento de peso: este tipo de reivindicações não está abrangido pelo Acordo de Albufeira, assinado em 1998, e que estipula a gestão dos rios fronteiriços entre ambos os países.
A polémica captação de água de Boca-Chança
A captação de água no ponto identificado pelos espanhóis, de Boca-Chança, tem permanecido na ambiguidade desde o início do século. Ao reivindicar a água de Alqueva, as autoridades espanholas (confederação Hidrográfica do Guadiana e Junta de Andaluzia) pretendem apenas oficializar o uso da água que tem retirado ao longo das últimas duas décadas, de forma sistemática e constante, ou seja: as autoridades espanholas captam água em dois pontos da albufeira do Chança e do leito deste rio, a partir de Boca-Chança.
A Junta de Andaluzia aprovou em 2023 um investimento de 2,8 milhões de euros para aumentar a capacidade de bombagem daquele sistema de captação instalado no início dos anos 90.
O sistema permanece em funcionamento ininterruptamente quando a maré está baixa. Quando ocorrem marés altas, a água salgada sobe pelo rio Guadiana até Mértola, inviabilizando a captação para Huelva.
Esta infra-estrutura hidráulica tem actualmente capacidade para bombear 63 hectómetros cúbicos (hm3) de água, “um volume considerado insuficiente para mitigar a seca” que a região de Huelva está a enfrentar. A solução tomada passa por adicionar 12 hm³ por ano até atingir os 75 hm³ estabelecidos no plano de emergência da bacia”, salienta a informação da Junta de Andaluzia.
Por sua vez, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) confirmou ao PÚBLICO, no Verão de 2023, que o Governo português não aprova as captações de água a partir da estação elevatória espanhola de Boca-Chança, no rio Guadiana, alegando que o sistema “deveria ter parado de funcionar em 2003, após a inauguração da barragem do Andévalo”.
A captação instalada pelas autoridades espanholas “ainda está a título provisório e o seu funcionamento definitivo não foi autorizado pelo Estado português”, confirmou a APA ao PÚBLICO.
Outros pedidos de água
Mais a norte na região da Extremadura, a barragem de Alqueva já irriga 500 hectares no município de Villanueva del Fresno (província de Badajoz) desde Janeiro de 2023, após acordo prévio adoptado no âmbito da Comissão de Aplicação e Desenvolvimento da Convenção de Albufeira (CADCA).
O município de Olivença, também situado na província de Badajoz, já apresentou um pedido ao Ministério da Agricultura espanhol, há pouco mais de cinco anos, para captar anualmente e directamente da albufeira de Alqueva quase 12 hm3 de água para irrigar 1712 hectares plantados com árvores de fruto e olivais superintensivos. A solicitação aguarda a anuência das CADCA.
Isto implica, por sua vez, que a transferência exigida pelas autoridades andaluzes poderá ser contestada pelas comunidades autónomas de Castela-Mancha e Extremadura, que sofrem de restrições no troço espanhol do Guadiana para garantir a Portugal os volumes acordados no âmbito do Convénio de Albufeira.
O volume de água transferido para Portugal é determinado pela água acumulada nas designadas albufeiras de referência da província de Badajoz, como as barragens de Cijara, García Sola, Orellana, La Serena, Zújar e Alange. E é o cômputo da água armazenada nestas albufeiras que estabelece o caudal a transferir para Portugal no ano hidrológico seguinte.
Se o pedido de água solicitado pela Andaluzia fosse apoiado, os agricultores regantes castelhanos e da Extremadura encontrar-se-iam num paradoxo: a água que poupam acabaria por ser utilizada na agricultura, turismo e actividade mineira na província de Huelva.